Veja aposta em estupidez do leitor, com capa feita a partir de telefonema que repórter não ouviu
(Por Alceu Nader, no blog Contrapauta)
A quinze dias da eleição, a revista Veja mostra outra face de seu "jornalismo moderno" com reportagem de capa de difícil digestão. A intenção da revista é mostrar que Freud Godoy, o assessor de Segurança da Presidência que acompanha Lula desde os anos 80, tem culpa no cartório - apesar do noticiário mostrar exatamente o contrário. Freud Godoy esteve sob suspeição unânime da imprensa até dia 8 passado, quando o o jornalista Elio Gaspari escreveu:
FREUD GODOY precisa ser explicitamente exonerado das suspeitas que o levaram a um patíbulo moral. De acordo com o atual estágio das investigações das traficâncias petistas, ele nada teve a ver com o episódio do dossiê Vedoin. Enquanto houver alguém assegurando o contrário, a injustiça e o linchamento prevalecerão sobre a lei e o direito.
Gaspari foi diretor-adjunto da revista e formou a direção e mais da metade de seus editores. Por medo ou respeito, a reportagem não se refere a ele, mas apenas que "Freud tem desfilado por colunas jornalísticas e eventos sociais como um injustiçado".
O enrolado da semana cobre Godoy de suspeitas e juízos prévios, envolvendo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e a Polícia Federal, instituição que hoje é respeitada pelos serviços apresentados. A trama delituosa descrita pela revista reside na denúncia de suposta quebra de procedimento burocrático da custódia da PF, que teria sido inspirada pela ação do ministro da Justiça para impedir o aprofundamento das investigações sobre Godoy, dentro de "um padrão mais ou menos constante na crônica policial do governo petista".
Com uma ilação aqui e outro pré-juízo prévio ali, a capa sustenta-se em telefonemas que a reportagem diz ter presenciado entre terceiros, além de um relatório "encaminhado a Veja por três delegados".
Nomes dos delegados? Não. Provas da seqüência delituosa? Nenhuma. Coragem de assumir tudo que está escrito? Também não. Entre uma suspeita e outra contra Godoy, entre fatos e fotos já divulgados, o texto desmente o que dissera pouco antes, ressaltando que não há prova para confirmar as ilações e juízos. Incapaz de apresentar indícios mais consistentes, sugere a quebra do sigilo bancário de Godoy que, desgostosamente, depende da Justiça.
O único fato concreto relatado na reportagem é o testemunho de dois telefonemas, que a reportagem diz ter presenciado, e uma folha impressa, sem timbre, com "um relato escrito por três delegados da Polícia Federal e encaminhado a VEJA".
Os inominados relatam uma quebra de procedimento que possibilitou a realização de um encontro entre Godoy e Gedimar Passos, preso pela Policia Federal, junto com Valdebran Padilha, com o R$1,7 milhão que seria pago pelo dossiê furado. Segundo o "relato", Gedimar reuniu-se a portas fechadas com aquele que ele mesmo incriminara horas antes com o "Freud ou Froud". O encontro, diz a revista, ocorreu fora da área de carceragem e sem protocolo assinado - o que é irregular. O diretor da Polícia Federal em São Paulo, Severino Alexandre, nega a possibillidade disso ter acontecido, mas pouco adianta. Para a revista, os autores não identificados do "relato" têm maior credibilidade. Para eles, Severino Alexandre é suspeito, pois "facilitou" o encontro e pressionou Jorge Herculano, chefe da custódia, a atropelar a burocracia para salvar a pele de Freud Godoy.
Herculano seria a testemunha-chave do enredo criminoso. Ele é o que estaria do outro lado da linha dos telefonemas de dois delegados (também não identificados) que a reportagem diz ter presenciado. Mas Herculano também nega a história. De novo, pouco adiantou. A revista diz que ele "não confirmou a história que narrara aos colegas pelo telefone. Mas deu um jeito de dizer que também não a desmentia".
Que jeito foi esse? Uma piscadinha? Um movimento de sobrancelha? A revista não explica.
A aposta na estupidez do leitor aparece logo nas primeiras linhas da reportagem. "Nessa operação aparece o que pode ser a impressão digital de um personagem muito próximo do presidente Lula." Pode ser como também não pode, mas isso não é problema. Não se discute a credibilidade nem a ética jornalística. Para se livrar de qualquer responsabilidade, a revista aventa a possibilidade de os denunciantes não identificados serem do PSDB.
Tudo bem, publica-se assim mesmo e, por cima, com destaque de capa. O que vale é dar munição para o horário político de Alckmin na tevê na reta de chegada da campanha. É esperar para ver.
A Folha de hoje (ontem) traz a primeira reação oficial, do diretor da PF de São Paulo. Ele diz que a reportagem "é leviana e tendenciosa".
segunda-feira, outubro 16, 2006
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2 comentários:
Escolha em qual Lula acreditar.
Pode ser naquele que em entrevista ao jornal O Globo na semana passada disse que jamais perguntara sobre a origem do dinheiro aos aloprados do PT envolvidos na compra à Máfia dos Sanguessugas de um dossiê contra políticos do PSDB.
Ou pode ser naquele que em entrevista ontem ao programa Roda Viva da TV Cultura disse que chamou Ricardo Berzoini, então presidente do PT, para uma conversa. E que lhe perguntou sobre a origem do dinheiro. Berzoini respondeu que não sabia.
Tem muita sujeira debaixo deste tapete...
É porque o nosso grande presidente considera, com toda a propriedade, que o deputado Berzoini não é um dos aloprados. Entendeu?
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