sexta-feira, setembro 28, 2007

Pimenta no dos outros é refresco


FHC não sabia de nada, afirmam líderes tucanos

Lideranças tucanas lançam movimento para silenciar e isolar senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que envolveu ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em esquema de caixa-dois. Segundo eles, FHC e o PSDB nacional não tem nada a ver com o assunto.

(Marco Aurélio Weissheimer, para a Agência Carta Maior)


As declarações do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no esquema de caixa-dois de sua campanha para o governo de Minas Gerais em 1998, causaram um terremoto dentro do partido, desencadeando uma operação para isolar e silenciar Azeredo o mais rápido possível. Lideranças tucanas fizeram fila, quarta-feira, para rebater as declarações do senador mineiro.

"O senador não poderia ter dito isso. Está me obrigando a responder algo surrealista. Envolver o presidente (FHC) nesse episódio é o mesmo que envolver o presidente Bush", disse Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado. Virgílio não explicou porque seu colega de partido "não poderia" ter dito o que disse. O presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati (CE), recorreu à psicologia para explicar as declarações de Azeredo.

Segundo ele, as declarações de Azeredo ao jornal Folha de São Paulo são uma demonstração de indignação e transtorno mental. Azeredo, garantiu Jereissati, é um homem honesto, correto, que ficou transtornado e saiu falando o que veio à cabeça. Já o senador tucano de Goiás, Marconi Perillo, foi mais direto: "FHC e o PSDB nacional não têm nada a ver com isso", assegurou.

O site nacional do PSDB silencia sobre o assunto. Os recados a Azeredo estão sendo dados pela imprensa e diretamente através de alguns interlocutores. O governador de São Paulo, José Serra, negou que esteja em curso no PSDB uma operação para silenciar e isolar Azeredo. Segundo Serra, o senador mineiro é um homem íntegro e honesto e jamais existiu algo como um "mensalão mineiro". Azeredo não está abandonado pelo partido. É só uma sensação, não a realidade, filosofou Serra.

Já o governador mineiro, Aécio Neves (PSDB), tirou o corpo fora e jogou a batata quente no colo de seu companheiro de partido, dizendo que Azeredo deve prestar contas à sociedade pelas acusações de caixa-dois na campanha de 1998.

Até a manhã de quinta-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não havia se manifestado sobre o caso. Segundo lideranças do PSDB, FHC está no exterior. Incomunicável, aparentemente. Os tucanos não quiseram comentar a validade do argumento utilizado por eles e pelo próprio FHC, segundo o qual o presidente Lula não poderia dizer que "não sabia", no caso do envolvimento de petistas com o mensalão.

No dia 29 de agosto, o ex-presidente FHC afirmou que o presidente Lula não poderia "fazer de conta que não é com ele", referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em aceitar a denúncia contra os denunciados no caso do mensalão. "É com ele sim. Não estou dizendo que ele seja responsável, mas enquanto ele não repudiar, dá a sensação que está conivente, ou leniente, para usar uma expressão mais branda", disse FHC, durante um evento promovido pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), em São Paulo.

O presidente Lula, acrescentou FHC, "tem a obrigação de dar uma palavra à nação sobre o assunto". "Caso contrário fica uma coisa nebulosa e dá a sensação que ele está passando a mão na cabeça dos envolvidos", emendou.

quinta-feira, setembro 27, 2007

A construção civil e a Bolsa Família

(por Luis Nassif, na sua Coluna de Economia de hoje)

A construção de políticas públicas assemelha-se a um jogo de xadrez. No início, o tabuleiro tem poucas peças, possibilitando pouco jogo. À medida que o país amadurece, outras peças vão sendo construídas e novas possibilidades de jogo aparecem. Muitas peças as primeiras peças são colocadas sem que sequer se saiba o que poderá resultar mais à frente.

Vamos a algumas peças do jogo que será descrito a seguir.

CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) – criado no início do governo Lula com o intuito de juntar segmentos organizados da sociedade. Foram convidados a compô-lo presidentes de associações, sindicatos, ongueiros, sociedade civil e ministros.

Bolsa Família – criado como um programa assistencialista de distribuição de renda, mas com um grande avanço em relação aos programas anteriores pela consolidação e tratamento rigoroso no banco de dados.

PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) – programa que consolidou os projetos de investimento do setor público para os próximos anos tentando estimar tempo e espaço: não apenas o prazo para as obras iniciarem como os locais onde serão construídas.

***

A partir desses três elementos, na próxima semana, juntamente com a festa do seu cinqüentenário, a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) irá assinar um acordo inédito, em termos de construção de política pública conjunta, setor privado-setor público. Vamos a uma descrição feita por seu presidente Paulo Safady Simão.

***

O CDES é um conselho consultivo, não deliberativo. Tem 90 conselheiros, 9 ministros de estados que participam de todas as reuniões e dezenas de grupos técnicos discutindo alternativas de políticas públicas, cada grupo constituído por dez ou quinze conselheiros e dois ou três ministros. Esse tipo de Conselho existe há décadas na Coréia, França.

Existiu um aprendizado inicial mas, passado esse período, as partes passaram a se entender melhor. E Lula passou a estimular a busca conjunta de soluções.

***

Há um ano e meio a CBIC fechou um protocolo de intenções com as centrais sindicais, com os movimentos sociais e com o Ministério do Desenvolvimento Econômico e Social (MDES) de Patrus Ananias.

O MDES tem nome, endereço e profissão de todos os cadastrados, município por município. E identificou todos os desempregados da construção civil que recebem do Bolsa Família. Depois, a Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, liberou a última programação do PAC, cidade por cidade, e prazos de início de obras. Finalmente, juntaram as estruturas do Sesi, Senai e do Ministério do Trabalho para planejar cursos profissionalizantes, próximos do início das contratações.

Na próxima semana, no encontro da CBIC, 800 empresários da construção civil assinam o protocolo se comprometendo a contratar os trabalhadores egressos do Bolsa Família. O único cuidado, seguindo recomendação do Lula, é que não entrem no lugar dos trabalhadores já empregados. O cálculo da CBIC é que 20% da mão de obra nova do setor poderá surgir do Bolsa Família.

***

O próximo protocolo a ser assinado pela CBIC será com os movimentos sociais organizados, pela moradia.

terça-feira, setembro 25, 2007

Não pode ser sério, mesmo!

Dos vários absurdos que vemos na mídia diariamente, às vezes alguns ainda me deixam de queixo caído. Hoje, o jornal O Globo publicou um artigo do senador José Agripino Maia (DEM/RN), chamado Não pode ser sério. Não pode mesmo. Nele o senador despeja tantas desinformações sobre o já acontecido plebiscito pela anulação da venda da Vale do Rio Doce que por um segundo, eu juro, até cogitei a hipótese de ser apenas um baita atestado de ignorância dele, mas o fato é que o desespero por distorcer os fatos para forjar uma realidade conveniente está beirando o ridículo!

Não consegui achar o texto no site do jornal, mas clicando aqui você vê o artigo escaneado, completo. Abaixo, alguns trechos:


Fatos: o PT não "aprovou a realização do plebiscito", o PT aprovou o apoio à realização do plebiscito, que, aliás, na data do Congresso já estava em andamento (essa notícia foi publicada no portal do PT no dia primeiro de setembro, como você pode conferir aqui.) O plebiscito foi organizado por um comitê composto por cerca de 60 entidades da sociedade civil e respaldado por 104 ações populares que foram movidas questionando a legalidade da privatização.


"Seguramente", o plebiscito - que jamais foi "sugerido" pelo PT - foi precedido de um amplo esforço de mobilização, com muitas informações disponíveis no site oficial do Movimento A Vale é Nossa, que ainda indica vários outros links informativos e e-mails para contato com os comitês locais, além de estimular debates em diversos fóruns pela internet, nos quais foi dada especial atenção à discussão das regras adotadas e dos princípios da legalidade que (não) nortearam o leilão promovido pelo presidente FHC.

Para quem, como o senador Agripino, só se informa pela Veja ou pela Rede Globo, aqui tem um especial do Jornal Brasil de Fato, com um apanhado bem generoso de argumentos, publicado, obviamente, bem antes do plebiscito.

Se não houve divulgação na grande mídia que o senador usa para se informar, "certamente" não foi porque ela não sabia...


O próprio senador se contradiz, olha só! Pois ele não tinha dito que o que se pretende é "simples e demagogicamente" anular o leilão? Com as justas adequações adverbiais, o que se pretende é isso mesmo, "legal e democraticamente" anular um leilão que tem razões de sobra para ser considerado fraudulento e, portanto, ilegítimo. Seria pra rir se o senador acreditasse mesmo que, depois de tudo, a proposta ainda fosse pagar para ter o que é nosso de volta!

"Não há dinheiro para coisas essenciais", ele diz. Essenciais para quem, cara pálida? Dentre outros acertos do governo, 6 milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza, as obras do PAC andam a todo vapor, os programas sociais de redistribuição de renda são aplaudidos no exterior, o Brasil tem uma economia forte e respeitada pelos grandes mercados. Não há dinheiro para fazer tudo, isso é verdade. Nem para fazer milagres. Mas, até hoje, nenhum governo soube escolher tão bem suas prioridades. Falando nisso, quê que o ex-presidente FHC fez com o dinheiro da venda da Vale mesmo?

Finalmente, "gera riqueza para os brasileiros"? 62% dos acionistas preferenciais da Vale são estrangeiros, se tem alguém enchendo o bolso aí com certeza não é o Brasil. Isso sem contar as diversas denúncias de violação dos direitos trabalhistas, destruição ambiental e impactos violentos em comunidades indígenas e quilombolas nativas dos locais em que a Vale se instala.


Aqui o senador nem tenta disfarçar a superficialidade de seus argumentos. Primeiro, por determinar a incompatibilidade entre ideologia e interesse nacional. Segundo, por classificar "a simples discussão" como demagogia. Para mim está claro que, na opinião do senador, povo não tem que decidir, povo não tem que discutir, povo não tem que questionar, o ideal seria que povo nem pensasse. Provavelmente, o ideal de povo para o senador deve ser aquele que obedece calado e ainda agradece feliz.

ISSO é que não pode ser sério!
Acorda, senador, o senhor está vivendo no século errado!

domingo, setembro 23, 2007

Movimento dos Sem-Mídia

Que sociedade é essa em que alguns homens e mulheres perdem sempre, no que toca o embate de idéias sobre as grandes questões nacionais, sobre os rumos que o país deve tomar ou manter? É uma sociedade em que sempre perdi sem nem poder lutar. Uma sociedade em que a derrota já vige antes da peleja. Uma sociedade em que os poderosos barões da mídia debatem sem antagonista.

Em dado momento, refletindo sobre o esmagamento das divergências, sobre a fabricação dos consensos midiáticos no que tange a política, a economia, os costumes, o entretenimento, veio-me à mente uma imagem, a imagem de brasileiros e brasileiras que, cansados de vegetar à beira das estradas, cansados de não poderem exercer sua vocação ancestral para a agricultura por falta de terra, resolveram não mais se conformar com a condição de sem-terra num país em que ela há em profusão e não pode ser semeada porque constitui reserva de valor de latifundiários. Estes cidadãos não têm terra, e cidadãos como eu, cheios de idéias e opiniões legítimas, não temos espaço, nos latifúndios midiáticos, para semearmos nossos pontos de vista. Somos, pois, sem-mídia.


Esse é um trecho do artigo escrito pelo Eduardo Guimarães sobre como nasceu o Movimento dos Sem-Mídia - MSM, idealizado por ele, que começou a se concretizar no último dia 15 de setembro, quando mais de 100 pessoas se concentraram na porta do jornal Folha de São Paulo, onde entregaram (e protocolaram) uma cópia do Manifesto do Movimento.

Veja a seguir a reportagem do Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, sobre a manifestação:



Apesar da óbvia falta de divulgação pelos grandes meios de comunicação, a iniciativa recebeu tantas mensagens de apoio que acabou sendo o pontapé inicial para a legalização do Movimento. Estão sendo cadastrados e-mails de simpatizantes e organizada uma assembléia, para se definir um estatuto e as melhores estratégias de ação. Enfim, a história completa, detalhada e atualizada é grande, e você pode ler lá no blog do Eduardo. (Sugiro voltar nos arquivos até as vésperas do dia 15, quando houve a manifestação.)

Ao contrário de que possa parecer a muitos - principalmente se/quando os "com-mídia" resolverem se manifestar sobre o MSM - o Movimento luta "por um jornalismo limpo, plural, fidedigno, apartidário e desideologizado." O grifo é meu.

Eu, Clarice, tenho minha posição política e minha ideologia, e elas são muito claras nestes meus dois blogs, o Votolula e o Fora, Aécio!. Por elas, eu luto neles. Mas não são elas as principais razões para eu assinar e divulgar esse Movimento. Eu, como cidadã, acredito que o acesso a informações isentas e completas é fundamental para o fortalecimento da democracia em sua essência, ou seja, da soberania do POVO, e não de poucos que se apropriam de sua voz.

E você?

terça-feira, setembro 18, 2007

Sobre justiça, democracia, informação e outros valores...

Percebo uma tendência das pessoas de achar que, porque eu defendo o governo Lula, eu comemorei a absolvição do Renan Calheiros. Isso não é verdade. Fui contra o voto secreto (aliás, sempre fui, se os caras tão lá me representando, eu quero saber o que eles andam fazendo!) e torci pela cassação, mesmo sabendo que o isso poderia custar ao governo.

Mas, antes de tudo, sempre defendo que não se deve condenar ninguém sem provas, sem um julgamento justo, sem o cumprimento de certas formalidades que, podem não ser as mais rápidas ou eficientes, mas são as que temos e que são necessárias para resguardar direitos individuais que, no ambiente democrático, são inalienáveis e inegociáveis.

Se por um lado eu preferia ver um suspeito de tantos crimes afastado do governo que apóio, por outro reconheço que, para ter legitimidade, julgamentos devem obedecer a certos procedimentos e respeitar princípios jurídicos como, por exemplo, ao acusador caber o ônus da prova e ao acusado o amplo direito à defesa. Quem me conhece sabe que não é de hoje que eu penso assim, e sempre fui contra o pré-julgamento e a mania que alguns brasileiros ainda têm de querer fazer justiça pelas próprias mãos, alegando que "a justiça não funciona nesse país". (Imagino que talvez sejam esses os mesmos brasileiros que se sempre arrumam um jeito de burlar a lei, mas enfim, isso já é outra história...)

Hoje recebi por e-mail texto do senador Aloizio Mercadante, em que ele justifica sua abstenção. Em certo momento, ele diz: Ante a impossibilidade do adiamento da decisão, vi-me num dilema ético. O voto "sim" significava a culpa comprovada acima de quaisquer dúvidas e a cassação. O voto "não", por seu turno, significava o reconhecimento de uma inocência ainda em questão e o arquivamento do processo. Optei, dessa maneira, pela abstenção. Portanto, não dei esse voto por falta de convicções, mas porque acreditava e continuo a acreditar que todos os processos abertos no Conselho de Ética devam seguir com rigor, até que se possa fazer um julgamento final e conclusivo sobre todas as acusações. Defendo, inclusive, que o Senador Renan Calheiros deva licenciar-se da Presidência do Senado, de forma a assegurar que os processos transcorram com isenção e sem percalços de qualquer tipo.

Eu, que a princípio torci pela cassação e, talvez pelo calor do bombardeio no noticiário, me revoltei contra aqueles que se abstiveram, não pude deixar de dar total razão ao senador Mercadante. Na falta de provas conclusivas para um lado ou para o outro, como decidir o destino de outra pessoa?

Apesar de ser representante do povo, o senador tem garantido o direito de sigilo do voto, sob o qual poderia muito bem se esconder, mas preferiu ser transparente, ético e coerente. E é aí que fica inevitável voltar ao mesmo e já tão debatido assunto para fazer a comparação: nesse episódio, ele, Mercadante, representou o contraponto perfeito a ela, nossa velha conhecida "grande mídia". Vejamos:

Ele, legitimamente escolhido pelo povo para o representar, foi eleito com todos sabendo a qual partido pertencia, que ideologia defendia e por quais valores brigaria; ela, que possui concessão do Estado e deveria informar com imparcialidade, é sempre mutante, escorregadia, usa de seu poder de difundir informação para direcionar a "vontade popular", de modo que esta sempre esteja em consonância com seus objetivos particulares, que nunca se sabe exatamente quais são (afinal, enquanto ele abre mão do direito ao sigilo, ela viola o dever da transparência).

Ele, mesmo correndo o risco de prejudicar os interesses de seu partido, não cogita esquecer seus valores; ela, se sabe o que são valores, certamente só se empenha em defender os meramente monetários, mesmo. Ele, mesmo sendo político, buscou abstrair os interesses políticos envolvidos para priorizar o respeito aos princípios da democracia e da justiça; ela, mesmo devendo teoricamente informar os fatos com isenção, não hesita em criar histórias fantásticas, subverter discursos, tratar suspeitas infundadas como provas definitivas, dirigir seus holofotes de forma bem selecionada, acusar, julgar e condenar previamente quem quer que esteja de alguma forma obstruindo seu caminho. Caminho esse que, acredito eu, se levasse a coisa boa não precisava de tanta artimanha...

Os oposicionistas nos acusam (sim, me incluo, pois acusam o governo e qualquer simpatizante dele) de sermos radicais, de não enxergar os defeitos no governo, de mistificar a imagem do presidente Lula como um homem perfeito, de fazer "qualquer coisa" para que o PT continue no poder, quando na verdade o que acontece é exatamente o contrário. Mesmo as poucas publicações assumidamente favoráveis ao governo não se furtam a fazer críticas quando elas são necessárias e fundamentadas. Nós, os simpatizantes, temos perfeita noção de o presidente Lula não é um milagreiro, é um ser humano, com defeitos como todos os humanos. Nós estamos sempre prontos a debater civilizadamente, com argumentos, fatos e números, e somos igualmente alvos de agressões irracionais, xingamentos vazios e generalizações de toda espécie.

Não, ao contrário do que eles dizem, não queremos catequizar ninguém nem impôr nossas crenças. Queremos apenas que as pessoas ouçam, com atenção, os argumentos, fatos e números que divulgamos e tentem comparar, sem pré-julgamentos, com os argumentos, fatos e números divulgados pela grande mídia, para então formar, cada um, sua PRÓPRIA opinião, fruto de suas PRÓPRIAS reflexões e conclusões. Qualquer opinião contra o governo formada dessa maneira será sempre respeitada por nós, ao contrário da repetição vomitada e mecânica de textos de "grandes pensadores" como Arnaldo Jabor ou Diogo Mainardi. Pensem, é só o que pedimos.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Democracia e o vírus do brasilianismo

Dói na alma, mas nem sempre a educação é um bem sem contra-indicação. As pesquisas reiteram a cada rodada que as classes subalternas têm respondido com apoio e votos às políticas sociais do governo.

Onde o governo está mais presente é ali onde, proporcionalmente, tem crescido seu eleitorado. Desmentindo o argumento de que o governo falha em suas promessas de campanha. As oposições e os descontentes da esquerda também o acusam de trair sua base popular de origem.

Alternativamente, conservadores e progressistas descobrem motivo de congraçamento entre si na crítica ao suposto paternalismo governamental, que seria a razão da aquiescência das massas antes que da promoção de sua consciência cívica e autonomia política. Como é natural, não se há de responder com imperfeições terrenas às exigências do mundo platônico das idéias.

Equivalente ideal de pureza orienta os murmúrios de insatisfação quanto ao funcionamento das instituições legislativas, maculadas que estariam por operadores corruptos, por vícios simultâneos de origem e decrepitude, além de repetidas manifestações do insultuoso hábito de legislar em causa própria.

Do Executivo, o defeito mínimo que se lhe atribui é o da incompetência gerencial. Mencionam-se ademais, aqui e ali, alheamento, preguiça e incapacidade de decisão. Pela esquerda histórica, do mesmo modo insatisfeita, se assegura que o Executivo se encontra manietado por escandalosos acordos com o conservadorismo. Ou seja, o Executivo, a bem dizer, nada faz e, quando faz, faz mal ou em má companhia, descaracterizando o bem-feito.

E assim marcharia o país entre corrupção e inércia, de cambulhada com alguns outros países, poucos, igualmente cretinos, à margem do benéfico período de progresso material aproveitado pelo resto do mundo. Nem as migalhas, nós estaríamos saboreando desta vez.

Trata-se, é claro, de um diagnóstico brasilianista. Tão grave quanto o bócio e a elefantíase, o brasilianismo é a enfermidade típica do atraso, mas com patológica distribuição sociologicamente distinta.

Ela contamina preferencialmente pessoas de elevada classe de renda, habitantes de áreas urbanas, sobretudo no Sudeste do país, com diplomas universitários concentrados nas áreas de ciências sociais, economia e comunicação.

Em geral, o brasilianismo não provoca estados febris nem suores inoportunos, apresentando como principais sintomas uma enorme confusão de raciocínio, miopia conceitual e daltonismo partidário, estimulando surtos de verborragia, descontrole de adjetivos e relaxamento das vias gramaticais. Eventualmente, uma diarréia substantiva.

Dotados de imbatível lógica esquizofrênica, os contaminados costumam passar por professores, cheios de comendas, donos de escritórios de consultoria, fartos de encomendas, colunistas bem remunerados, intrigantes de notinhas jornalísticas e assessores de grupos de interesse.

Honestíssimos, em sua maioria, acreditam no que dizem, com grande pompa e muita circunstância. Causa dissabor vê-los. Ao contrário dos portadores de bócio e de elefantíase, cônscios estes da enfermidade que os atormenta, os brasilianistas desfilam orgulhosamente a própria miséria como portariam um estandarte de cruzados. Em certo sentido, são mesmo monocromáticos. Felizmente, o brasilianismo não é sexualmente transmissível. Segundo alguns clínicos, porque não é sexualmente ativo. Polêmicas médicas.

Embora bem-educados, os brasilianistas têm horror à leitura, particularmente de matérias sobre o Brasil, à exceção, obviamente, dos artigos que escrevem uns para os outros. Ignoram as estatísticas, têm vaga noção do que significa o coeficiente de Gini e não fazem a menor idéia do que foi a história da América do Sul nem do percurso secular do grande mito que são os Estados Unidos. Da Europa, conhecem os vinhos, os queijos e o carnaval de Veneza, em pacote turístico de sete dias. Constituem a mais acachapante evidência do fracasso da universidade brasileira.

Jamais um brasilianista aceitará a tese de que os pobres votam por uma razão idêntica à sua, isto é, por interesse. E, conseqüentemente, também rejeitarão a hipótese de que os carentes sejam tão racionais quanto eles, os poucos abundantes. Negarão que pertençam ao mesmo gênero de distribuição de privilégios os subsídios à exportação, a remuneração dos títulos da dívida pública e os empréstimos pré-consignados. São favoráveis ao controle da natalidade da população de salário mínimo e à pena de morte, em certos casos, que é uma forma substitutiva, ou complementar, de controle da mortalidade. Consideram-se liberais de boa cepa, pois têm entre seus melhores amigos, segundo testemunho voluntário, um negro, um judeu e um gay. A discriminação dos melhores amigos é a confissão inconsciente da lista de preconceitos que cultuam.

Não obstante os brasilianistas, ou melhor, inclusive com parcela do trabalho deles, vai se livrando das algemas do arcaísmo um país em que os conservadores parecem ter, finalmente, abandonado a estratégia de rondar os quartéis sempre que contrariados pela política. A integração material da sociedade avança pela via do mercado, a despeito dos revolucionários e dos adoradores dos monopólios, e no qual a Constituição de 1988 conseguiu evitar a institucionalização de práticas discriminatórias.

O custo de combater preconceitos e discriminações é baixo, no Brasil, porque não são protegidos por lei. Aspecto crucial, cuja relevância é perfeitamente reconhecida pelos negros da África do Sul e dos Estados Unidos e pelos antigos judeus imigrantes argentinos, por exemplo.

A sociedade precisa dos brasilianistas na exata medida em que as deficiências materiais são ainda tamanhas e a tentação para a autocomplacência é enorme. Mas estão sobre-representados na produção e controle da informação pública, comprometendo com sua vesguice melhor avaliação do que vai pelo mundo e pelo Brasil.

O formigamento social é extenso, a vida comunitária se enriquece municípios afora, mas de nada disso a maioria da população toma conhecimento, monopolizado que está o mecanismo de produzir idéias e imagens. Há evidente descompasso entre o processo de democratização em curso na vida política e social e o processo de concentração oligopolista no sistema de captação e difusão das novidades.

A unanimidade brasilianista que absorveu as fontes de informação prejudica a democracia, constitui ameaça aos direitos do cidadão de estar servido de fontes alternativas de opinião, nega, na prática, o pluralismo ideológico, enquanto busca a massificação bovina de leitores e telespectadores. Nunca o Brasil moderno, período ditatorial à parte, enfrentou inimigo tão poderoso: aquele que, tal como um partido subversivo, usufrui da liberdade para asfixiá-la.

O Brasil real é complexo, pleno de deficiências e de linhas de força, não está representado na rede para-ideológica de informação, tomada de assalto pelo brasilianismo.

O brasilianismo é a doença infantil da ditadura da opinião. De onde se segue a divergência entre o que ocorre no país e o que pensam sobre ele aqueles que se imaginam educados. Para estes, a educação não vale coisa alguma.

(Wanderley Guilherme dos Santos, membro da Academia Brasileira de Ciências)

terça-feira, setembro 04, 2007

Carta da filha de José Genoíno

Acreditar. E vencer.

Há muitos anos atrás, quando eu ainda era aluna do Logos e nem sonhava em tomar os caminhos que depois surgiram na minha vida, minha mãe veio me contar que meu pai tinha sido convidado para ir à Ilha de Caras com todos nós. E que tinha dito não. Eu fiquei um pouco desapontada, não porque seja fã de tal revista, mas porque imaginava a mordomia e os brindes que poderia conseguir com uns dias naquele paraíso. Quando meu pai chegou de Brasília e eu perguntei o porquê da recusa ele foi taxativo: jamais iria participar de tal ambiente, jamais iria conseguir relaxar no meio de tanto esbanjamento de luxo e dinheiro e não ia deixar que ficassem fotografando a hora dele nadar, comer, ir ao banheiro. Pouco tempo depois encontramos aqui em casa uma caixa, pro meu pai, com um tubinho todo chique, com um convite dentro: era para a festa de lançamento da novela "O Clone", que já tinha acontecido há alguns dias. Novamente indaguei ao meu pai para saber porquê ele não tinha ido (e me levado junto) e a resposta foi bem parecida: não quero estar no meio de uma festa que não significa nada para mim. E ponto.

Durante todos estes anos em que esteve na política, nos altos e baixos, meu pai nunca mostrou qualquer mínimo sentimento de ambição e de ilusão com o poder. Nunca se deixou maravilhar por este mundo das revistas sociais e das ocasiões de luxo e glamour. Nunca teve nem aquela ambição do tipo Odette Roitman, nem aquela pequena, ínfima, que todo mundo tem, de querer ter algumas coisinhas nas nossas vidas. Ele nunca teve isso porque para ele não era o que o movia, não era o que dava sentido à sua vida, à sua história, à sua luta.

O que sempre moveu meu pai foi um sentimento amplo, único, de trabalhar para um bem maior, para algo que pudesse de verdade "melhorar a vida das pessoas", esta era a frase que a gente mais ouvia. Ele sempre me dizia que, desde a época da ditadura, o que sempre deu força para seguir lutando, seguir vivendo, seguir sonhando, era esta certeza de que com a sua luta, seus ideais, as coisas poderiam melhorar, poderiam ser diferentes. E que certamente um dia seriam.

Muito tempo se passou e recebemos esta semana a dura notícia de que meu pai, meu Genoino pai, vai ser processado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Durante todo este processo, ele nunca teve muita dúvida de que iria ser condenado pelo STF; ele me dizia: "a mídia não vai deixar eu não ser indiciado...". E assim foi. Tivemos que ler barbaridades, tivemos que agüentar monstruosidades, tivemos que ouvir frases sem lógica como, "é, não tem mesmo provas contundentes para ser condenado, mas vou indiciar...". Que mundo é esse em que mesmo sem provas, uma pessoa é processada por um crime que jamais cometeu?

Desde então temos recebido alguns importantes telefonemas de apoio, de solidariedade, mas também temos recebido telefonemas da nossa velha amiga imprensa. Aquela mesma imprensa que condenou meu pai pelos "dólares na cueca" e depois, quando meu tio foi absolvido, colocou apenas uma nota de rodapé. A mesma imprensa que depois do meu pai ter sido sempre o interlocutor mais fiel, escrevia absurdos nos jornais sem nem ao mesmo realizar um telefonema para checar antes... Esta mesma imprensa que nos fez passar por tudo, desde mobilizar uma multidão na porta da nossa casa para nos xingar, até escrever que meus pais tinham ido ao meu casamento na Espanha com dinheiro do Marcos Valério - não foram capazes de perguntar antes na companhia aérea sobre as 10 parcelas que minha mãe pagou para que eles pudessem estar comigo naquele momento.

Eu nunca serei contra a liberdade de imprensa. Nem eu, nem meus pais, que lutaram, sofreram, foram presos e torturados por defender a liberdade que a ditadura esmagou. Mas não posso ser a favor de ir de um extremo ao outro... Saímos das notícias falsas do regime militar e a omissão sobre os fatos, ao vale tudo da imprensa, que hoje em dia parece conversa de vizinha: ouviram um rumor, já está lá publicado. Sofro com tudo isso porque é a mesma injustiça que, na volta da minha lua-de-mel, fez com que eu fosse deportada: não importam os fatos, não vou checar nada porque eu mesma já decidi que o que você está dizendo é mentira. E o mais triste não é nem isso, alguém ser assim de injusto; o pior é ver um monte de outras pessoas acreditando e se deixando levar pelo movimento.

O que percebo é que as pessoas não são mais inocentes até que se prove o contrário. Estão tratando a todos como se fossem culpados até que se prove o contrário.

Tudo isso me fez lembrar uma passagem do livro "O nome da morte", de Kléster Cavalcanti, que conta a história de um matador de aluguel que por acaso foi quem deu um tiro no meu pai e o prendeu no Araguaia. Quando tudo aconteceu, ele era apenas um jovem de 17 anos que não queria fazer mal a ninguém. E lá foram dizer a ele, para convencê-lo a realizar o tal serviço, de que ele estava ajudando a combater os comunistas terroristas e assim ajudando ao progresso do Brasil. E o tal matador acreditou. Tanto tempo se passou desde esta história, mas parece que muita coisa continua igual... "Eles são corruptos e formaram uma quadrilha!" e um monte de gente vai lá, acredita, se revolta e ainda reclama da demora da justiça, porquê vai demorar tanto tempo para eles serem condenados???? Já existiram tempos em que tudo era mais rápido não é mesmo?

Tudo isso parece um inferno, parece um calvário, mas se querem saber algo, nós não vamos desistir. Acho que a história da minha família é essa, derrubar para dar a volta por cima e vencer, vencer todos os desafios. Nós vamos vencer mais este desafio, vamos lutar até o fim para provar a inocência do meu pai, vamos lutar até o fim para que todos possam perceber que meu pai pode até ter cometido alguns erros políticos, mas que nunca, jamais, cometeu qualquer ação criminal. Jamais.

São muitos os sentimentos que me invadem neste momento porque estou já me despedindo do meu país para voltar para minha casa, que é Sevilha. E o que mais dói dentro de mim é que vou magoada com este meu Brasil, decepcionada com as pessoas, descrente com o que estamos criando por aqui... Espero algum dia conseguir perdoar ou ao menos entender tudo isso... São tantas contradições! Hoje recebi um e-mail amigo com uma defesa ao meu pai feita por um deputado de um partido da oposição, enquanto muitos do próprio PT, muitos amigos de esquerda, parecem hoje ter vergonha de conhecer meu pai, nossa família, de apóia-lo e defendê-lo. De defender a sua história, a sua luta, a sua verdade. Eu não me preocupo porque sei que pra todo mundo chega o momento de pensar, de avaliar, de prestar contas dos seus atos perante uma força maior, seja a força que for, interna, humana, coletiva, divina.

Não vamos desistir. Não vamos desistir, não vamos nos envergonhar e não vamos fraquejar. Nossa união sempre se mostrou imbatível e é ela que vai nos ajudar a vencer tudo isso e a provar que sim, os anos passaram, mas meu pai nunca deixou de ser aquele ser humano determinado, verdadeiro e íntegro, que nos momentos "em alta" não se deixou iludir pelas ilhas de caras da vida e por isso não vai ser agora, um pouco em baixa, que vai se deixar levar pelo mar de injustiça e desrespeito. Ele é maior que tudo isso, eu sei. E nós também, algum dia, seremos.

Miruna Kayano Genoino - agosto de 2007