sexta-feira, dezembro 29, 2006

As liquidações dos "formiguinhas"

Por Elio Gaspari, da Folha de S.Paulo

COMEÇA HOJE a temporada de liquidações em quase todas as grandes revendedoras de materiais de construção. Se o PSDB tivesse juízo, mandaria seus sábios visitar os grandes galpões dessas empresas. Entenderia por que perdeu a eleição e por que perderá as próximas. Um bom pedaço dos clientes dessas liquidações vem do andar de baixo.
Gente que compra uma caixa d`água de 500 litros e um novo piso para a cozinha esperando gastar R$ 200 em dez prestações, sem juros. Chama-se a esse consumidor de "formiguinha".
Abastece-se no crédito consignado e, nesse mercado, um aumento do salário mínimo de R$ 30 mensais dá para pagar o novo piso e ainda sobram uns R$ 10 para cobrir o aumento das tarifas tucano-pefelês dos ônibus do Rio e de São Paulo.
A repórter Cibele Gandolpho revelou que quatro grandes entrepostos planejam oferecer descontos de até 70%.
Com sorte, juntando-se o aumento de dois salários mínimos e mercadoria barata (talvez de uma ponta de estoque), consegue-se um novo banheiro.
Esse pedaço do Brasil é olhado com desconfiança pelo andar de cima. Quando Lula baixou os impostos sobre os materiais de construção, viu-se na providência um estímulo à favelização.
Se o problema habitacional brasileiro pudesse ser resolvido pela elevação do preço do saco de cimento, as coisas seriam muito mais fáceis. Pior: o medo descende do pavor oitocentista dos escravos livres, desorganizando os bulevares e embebedando-se pelas ruas.
Uma pesquisa patrocinada pelo sindicato da indústria, com números de 2002, ensina que as famílias com renda de até três salários mínimos consomem apenas 8% da produção nacional de cimento.
Um saco consumido numa casa situada nessa faixa de renda é parte de uma obra que muda a vida da família. A conjunção do salário mínimo com o acesso ao crédito e o interesse do comércio em vender para as faixas de menor renda estão provocando mudanças na maneira de viver (e de votar) do brasileiro.
Assim como há no andar de baixo muita gente que precisa tomar banho de loja, há no de cima quem precise de banho de entreposto. O PSDB tem uma certa incapacidade neurológica para absorver avanços sociais produzidos pelo PT.
Um bom exemplo dessa demofobia está na incapacidade dos tucanos de reconhecer a revolução ocorrida nos transportes públicos de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy. Outro é a confusão do "puxadinho" com a favelização.
São atitudes irracionais, pois enquanto houver sufrágio universal, a política de satanização do andar de baixo produzirá apenas demagogia e triunfos eleitorais de demagogos.
É nesse sentido que faria bem ao cardinalato tucano passar uma tarde num entreposto de materiais de construção.
Descobrirão o que pensam e como agem os trabalhadores que planejam ampliar sua casas com algumas centenas de reais, a boa vontade dos vizinhos e a ajuda dos parentes.
Vivem naquele pedaço do Brasil onde os ônibus atrasam, são inseguros e maltratam os passageiros, mas ninguém quer ouvir falar disso. Em 2008, eles vão votar de novo.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Repórter revela como a Globo tentou manipular as eleições

(fonte: http://www.pt.org.br/)

Após 12 anos trabalhando na TV Globo, período durante o qual cobriu seis eleições, o repórter Rodrigo Viana desligou-se da emissora nesta terça-feira (19), após ser comunicado de que seu contrato de trabalho não seria renovado.

Em e-mail interno aos agora ex-colegas de redação, e que já vazou pela internet (foi publicado no site Terra Magazine), Viana condena a cobertura "desastrosa" e "seletiva" da Globo nas eleições deste ano, detalhando vários casos de manipulação do noticiário, todos em prejuízo da candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e/ou em benefício de candidatos tucanos, como o governo eleito de São Paulo, José Serra.

O jornalista relata ainda, no texto distribuído aos colegas, a luta de um grupo de profissionais da emissora para que a cobertura fosse equilibrada: "Ninguém na Redação queria poupar petistas (...) O que pedíamos era isonomia".

Ele também faz críticas a certas normas internas, como a que obriga o noticiário a chamar os negros brasileiros de "pretos ou pardos". E conclui: "Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira".

Em outro ponto, Viana comenta o "episódio lamentável" do abaixo-assinado em defesa da emissora, produzido pela direção da empresa e ao qual muitos jornalistas aderiram. Ele afirma que isso jamais aconteceria se, hipoteticamente, a direção da Volks pedisse aos seus metalúrgicos que assinassem um documento isentando a montadora de erros que ela tivesse cometido na produção de seus carros.

"Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...", diz o texto.

Procurado pelo Portal do PT, Viana, que tem 37 anos e 18 de profissão, informou que, por razões contratuais (formalmente, seu contrato só vence no fim de janeiro), não poderia se manifestar a respeito.

Leia abaixo a íntegra do comunicado interno:

"LEALDADE

Quando cheguei à TV Globo, em 1995, eu tinha mais cabelo, mais esperança, e também mais ilusões. Perdi boa parte do primeiro e das últimas. A esperança diminuiu, mas sobrevive. Esperança de fazer jornalismo que sirva pra transformar - ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou indo embora.

Quando entrei na TV Globo, os amigos, os antigos colegas de Faculdade, diziam: "você não vai agüentar nem um ano naquela TV que manipula eleições, fatos, cérebros". Agüentei doze anos. E vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos - sim - bom jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção.

Na última década, em debates nas universidades, ou nas mesas de bar, a cada vez que me perguntavam sobre manipulação e controle político na Globo, eu costumava dizer: "olha, isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás".

Isso não era só um discurso. Acompanhei de perto a chegada de Evandro Carlos de Andrade ao comando da TV, e a tentativa dele de profissionalizar nosso trabalho. Jornalismo comunitário, cobertura política - da qual participei de 98 a 2006. Matérias didáticas sobre o voto, sobre a democracia. Cobertura factual das eleições, debates. Pode parecer bobagem, mas tive orgulho de participar desse momento de virada no Jornalismo da Globo.

Parecia uma virada. Infelizmente, a cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido. O que vivemos aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu.

Pode ser que algum chefe queira fazer abaixo-assinado para provar que não aconteceu. Mas, é ruim, hem!

Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto".

Tudo isso aconteceu. E nem foi o pior.

Na reta final do primeiro turno, os "aloprados do PT" aprontaram; e aloprados na chefia do jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo de trabalho aqui.

Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: "por que não vamos repercutir a matéria da "Istoé", mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira?"

Por que isso, por que aquilo... Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber?

Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de "petistas" e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do "governo anterior", acharam que ninguém ia achar estranho?

Faltando seis dias para o primeiro turno, o "petista" Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!

Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud Godoy. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição.

Não vi matérias mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.

Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo. E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...).

O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas!

Um colega nosso chegou a produzir, de forma precária, por telefone (vejam, bem, por telefone! Uma TV como a Globo fazer reportagem por telefone), reportagem com perfil do Abel. Foi editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!

Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do "dossiê". Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não demos Serra com sanguessugas?

E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra? Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas "desagradáveis". A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.

E isso era um segredo de polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores...

E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas, porque não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro), tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa - as fotos, e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder.

Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!

Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite?

Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN?

O JN levou um furo, foi isso?

Um colega nosso, aqui da Globo, ouviu a fita e botou no site pessoal dele... Mas, a Globo não pôs no ar... O portal "G-1" botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a "CartaCapital" ter dado o caso. Era noticia? Para o portal das Organizações Globo, era.

Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo?

Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.

E, pra terminar, aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da "CartaCapital". Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!

Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista "Quatro Rodas" dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!

Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...

De resto, está difícil continuar fazendo jornalismo numa emissora que obriga repórteres a chamarem negros de "pretos e pardos". Vocês já viram isso no ar? Sinto vergonha...

A justificativa: IBGE (e, portanto, o Estado brasileiro) usa essa nomenclatura. Problema do IBGE. Eu me recuso a entrar nessa. Delegados de policia (representantes do Estado) costumavam (até bem pouco tempo) tratar companheiras (mesmo em relações estáveis) como "concubinas" ou "amásias". Nunca usamos esses termos!

Árabes que chegaram ao Brasil no início do século passado eram chamados de "turcos" pelas autoridades (o passaporte era do Império Turco Otomano, por isso a nomenclatura). Por causa disso, jornalistas deviam chamar libaneses de turcos?
Daqui a pouco, a Globo vai pedir para que chamemos a Parada Gay de "Parada dos Pederastas". Francamente, não tenho mais estômago.

Mas, também, o que esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita pela Globo na época das Diretas?

Respeito a imensa maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês.
Olhem no ar. Ouçam os comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo lado.

Mas sabem o que me deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições.

Ele comemorou a reação (dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de jornalistas em defesa da cobertura da Globo: "(...)diante de calúnias e infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação. Chamo isso de lealdade e confiança".

Entendi. Ele comemora que não haja dúvidas e incertezas... Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento de jornal. Incerteza e dúvida são palavras terríveis. Devem ser banidas. Como qualquer um que diga que há racismo - sim - no Brasil.

E vejam o vocabulário: "lealdade e confiança". Organizações ainda hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da "lealdade".

Caro João, você talvez nem saiba direito quem eu sou.

Mas, gostaria de dizer a você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo, infelizmente, não foi "leal" com o público. Nem com os jornalistas. Vai pagar o preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!

João, da família Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno: "Pude ter certeza absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas cabeças pensando".

Caro João, em que planeta você vive? Várias cabeças? Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!

Cumpro agora um dever de lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha editorial da casa foi posto na "geladeira". Foi lamentável, caro João. Você devia saber como anda o ânimo da Redação - especialmente em São Paulo.

Boa parte dos seus "colaboradores" (você, João, aprendeu direitinho o vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas - "colaboradores", essa é boa... Eu não sou colaborador, coisa nenhuma! Sou jornalista!) está triste e ressabiada com o que se passou.

Mas isso tudo tem pouca importância.

Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente? Isso me lembra a Igreja Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente. Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?

Depois, não sabem por que os protestantes crescem...

Eu, que não sou católico nem protestante, fico apenas preocupado por ver uma concessão pública ser usada dessa maneira!

Mas essa é também uma carta de despedida, sentimental.

Por isso, peço licença pra falar de lembranças pessoais.

Foram quase doze anos de Globo.

Quando entrei na TV, em 95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia a Toninha - nossa mendiga de estimação, debaixo do viaduto. Os berros que ela dava em frente à entrada da TV traziam uma dimensão humana ao ambiente, lembravam-nos da fragilidade de todos nós, de como nossa razão pode ser frágil.

Havia o João Paulada - o faz-tudo da Redação. Havia a moça do cafezinho (feito no coador, e entregue em garrafas térmicas), a tia dos doces... Era um ambiente mais caseiro, menos pomposo. Hoje, na hora de dizer tchau, sinto saudade de tudo aquilo.

Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós - nas ruas, no Metrô, na padaria.

Todos, do apresentador ao contínuo, tinham que entrar a pé na Redação. Estacionamentos eram externos (não havia "vallet park", nem catraca eletrônica). A caminhada pelas calçadas do centro da cidade obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.

Hoje, quando olho pra nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade. Mas triste, quase desumano.

Mas há as pessoas. Essas valem a pena.

Pra quem conseguiu chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas...

1) Sinto-me aliviado por ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem "lealdade"; parecem "poderosos chefões" falando com seus seguidores... Se depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.

2) Mas, de meus colegas, da imensa maioria, vou sentir saudades. Saudades das equipes na rua - UPJs que foram professores; cinegrafistas que foram companheiros; esses sim (todos) leais ao Jornalismo. Saudades dos editores - que tiveram paciência com esse repórter aflito e procuraram ser leais às minúcias factuais. Saudades dos produtores e dos chefes de reportagem - acho que fui leal com as pautas de vocês e (bem menos) com os horários! Saudades de cada companheiro do apoio e da técnica - sempre leais. Saudades especialmente, das grandes matérias no Globo Repórter - com aquela equipe de mestres (no Rio e em São Paulo) que aos poucos vai se desmontando, sem lealdade nem respeito com quem fez história (mas há bravos resistentes ainda).

Bem, pelo tom um tanto ácido dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui.

Perdi cabelos e ilusões. Mas, não a esperança.

Um beijo a todos.
Rodrigo Vianna."

domingo, dezembro 17, 2006

O segundo governo Lula

Por Luis Nassif

A pesquisa indicando Lula o melhor presidente da história é uma boa amostra da falta de sintonia ampla entre o dito conhecimento culto e a percepção popular.

Uma das características mais marcantes em períodos de liberalização financeira internacional é a tentativa de terceirizar a política para os mercados. Não é de agora. A Pax Britânica, no século 19, baseou-se nesse princípio. O chamado mercado desenvolveu um conjunto de ferramentas de pressão para manter a economia sob controle apenas no ponto que interessa ao credor: a capacidade de solvência do devedor.

Não interessam as ditaduras, embora enalteçam ditadores que seguiram a cartilha, mesmo os sanguinários. Mas as ditaduras dependem exclusivamente dos humores do ditador. Por isso mesmo, a democracia é o ambiente ideal, desde que não submetida aos primados da política.

É evidente que a classe política não prima pelas virtudes, ainda mais no modelo brasileiro. Grande parte dos políticos batalha por interesses específicos, setoriais ou pessoais. Em cima desses defeitos, cria-se uma caricatura de toda atividade política, que acaba engolfando especialmente as decisões que implicam em transferir parte do bolo orçamentário para fora do circuito financeiro. Qualquer medida nessa direção torna-se “populismo”, induz à “farra fiscal”, significa a volta do atraso.

No entanto, os grandes saltos nacionais ocorreram quando a política conseguiu se impor sobre o mercado. A entrada do Brasil na era moderna deu-se através de dois episódios significativos. O primeiro, a Constituinte de 1988. Evidente que, como todo fruto de acordos, tem muitos defeitos. Mas foi ela que consagrou as verbas vinculadas para educação, instituiu o SUS, garantiu melhor repartição do bolo tributário, abriu as bases para um novo federalismo.

Dia desses conversava com Maurício Botelho, da Embraer, que me contava os incentivos dados por estados e condados americanos para a implantação de novas empresas. Em um determinado condado, a municipalidade garantia US$ 20 dos US$ 35 milhões previstos, por que a obra garantiria 400 empregos de alto nível para a cidade.

Essa disputa por investimentos é mundial. Aqui no Brasil, quem praticou política industrial na última década foram os estados. E sua iniciativa foi pichada como “guerra fiscal irresponsável”.

Voltemos a Lula. Errou clamorosamente na política monetária de Palocci e Meirelles, ao permitir a reapreciação do câmbio, o aborto do suspiro de crescimento de 2004, plantado pela crise cambial de 2002. Mas teve a intuição para apoiar e dar escala aos movimentos de inclusão social. Quando criou as diversas secretarias de inclusão, foi torpedeado pelo tal do mercado. O governo era irracional, seria atropelado pelas demandas sociais. No entanto, foi a intuição do político que permitiu conferir-se escala à Bolsa Família, depois do início desastroso do Fome Zero. E a Bolsa Família é o que os analistas chamam de "fator portador de futuro", um marco na história das políticas sociais brasileiras, com o mesmo efeito para o futuro que teve a vinculação das verbas para educação, pela Constituição de 1988.

O primeiro governo Lula foi bom na área econômica, excepcional na área social, desastroso da área monetária. Apesar de muito provavelmente não ousar romper com a estagnação do câmbio, o segundo governo terá mais condições para melhorar. Aparentemente vão ser preservadas as áreas de excelência. O Programa da Bioenergia, se bem estruturado, poderá mexer com vários setores relevantes da economia, como pesquisa e tecnologia, indústria de base, distribuição de renda, estratégia comercial global. Há espaço, agora, para investimento maciço em Saneamento. A infra-estrutura tornou-se prioridade nacional.

É possível perceber movimentos de inúmeros grupos de empresas e de investidores em projetos ligados a infra-estrutura e ao biodiesel e bioenergia. O mercado de capitais está pronto para atrair parte da poupança que será deslocada pela redução dos juros.

Ou seja, há um quadro completo para que o político Lula desperte o que o Delfim chama de “espírito animal” do empresariado para investir e ousar. Desde que consiga colocar o mercado no seu devido lugar. Não há que se ser imprudente, a ponto de esfrangalhar as finanças; nem medroso, a ponto de nada ousar para não descontentar o mercado.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

MIRIAM LEITÃO, A CONTROLADORA-GERAL DA REPÚBLICA

Por Paulo Henrique Amorim


. O Bom Dia Brasil de hoje, quinta feira, dia 7 de dezembro, dedicou 13 minutos ao “caos aéreo”.

. Quando caiu o avião da Gol, o Jornal Nacional não noticiou. Mas, agora, a Globo parece especialmente preocupada com o “caos aéreo”.

. No Bom Dia de hoje, a âncora Claudia Bomtempo, como sempre, desempenhou com entusiasmo o papel de vice-líder da oposição, em Brasília.

. Ao entrevistar o Ministro da Educação sobre a aprovação do Fundeb (*), começou a sabatina não com o Fundeb, mas com o nível de repetência “absurdamente elevado”, segundo a vice-líder da oposição.

. A outra âncora, Renata Vasconcelos, também tem opiniões. E opiniões sobre o andamento da economia nacional.

. Depois que a praça de São Paulo cometeu a impropriedade de levantar a remota possibilidade de, por acaso, por obra do destino ingrato, pela mão de Deus, quem sabe?, de alguns setores industriais, talvez, hipoteticamente, ganharem dinheiro em 2007, eis que Renata Vasconcelos, notória analista de sistemas macro-econômicos, teceu comentário arrasador sobre a hipótese mais provável: tudo vai dar errado, porque a maioria dos empresários, segundo Vasconcelos, não pensa como disse a precipitada repórter de São Paulo.

. Chegamos à Controladora Geral da República, Miriam Leitão.

. É notável a capacidade da Controladora Geral de dar opinião sobre tudo.

. Hoje, a Controladora não deu opinião sobre economia, porque, em seu lugar, Renata Vasconcelos deu o rumo definitivo aos destinos do empresariado nacional.

. Leitão, a Controladora, falou, com a usual veemência, sobre o “caos aéreo”.

. Em seguida, sobre os salários do Judiciário.

. Pouco importa, aqui, a múltipla opinião de Miriam Leitão, de Bomtempo ou de Vasconcelos.

. Elas têm a opinião que o dono da empresa considerar adequada.

. O que me parece relevante a considerar é que o Brasil é o único lugar do mundo – que conheço – em que a tevê aberta, um serviço público, exibe opinião sem dizer que é opinião.

. Tevê aberta tem que colocar uma legenda na telinha que diga “OPINIÃO’’ ou “EDITORIAL”, quando o dono da empresa quiser manifestar sua opinião. Seja através do ancora, do locutor em off, ou através de “colunistas” (que podem dizer o que quiserem desde que digam o que o dono da empresa aprovar).

. Por que eu, beneficiário de um serviço público, que quer saber sobre o tempo em São Paulo, ou sobre as saídas de vôos de Congonhas, tenho que me submeter à opinião de quem a Globo deu o poder ser a Controladora Geral da República?

. Opinião, tenho as minhas.

. Os americanos têm uma frase muito interessante sobre o que diz um leitor ou espectador, diante desse problema: “Give me the facts. I’ll provide the opinion” – você, jornalista, me dá os fatos que eu entro com a opinião.

. O “colunismo” ou o “opinionismo” na tevê aberta é um abuso de poder das redes de televisão, que operam por concessão.

. É uma desastrosa contribuição brasileira à civilização ocidental.

. Imaginem a Controladora Geral da República na BBC. Na CBS. Na CBC canadense???

. “Opinionismo” ou “colunismo” é coisa para a tevê paga.

. O fregues vai lá, paga e vê. Gostou? Tudo bem. Continua a pagar.

. Não gostou? Não paga mais.

. É diferente de trocar de canal na tevê aberta. Na tevê aberta, a Globo entra na minha casa – ou na sala de ginástica... - sem que eu decida (ou pague).

. (E se o síndico chegar antes e ligar na Globo? Paro de malhar? E como fica o meu HDL?)

. A família Marinho (através da Controladora Geral da Republica, da Claudia Bomtempo, ou da Renata Vasconcelos) não tem o direito de enfiar a suas opiniões pela goela do freguês.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Engolindo Chávez

Jornalistas entrevistam jornalistas: mais uma inovação dos jornais brasileiros na cobertura das eleições da Venezuela

Por Alceu Nader, do blog Contrapauta

O presidente reeleito da Venezuela, Hugo Chávez, ou melhor, a fixação dos grupos empresariais que controlam a mídia no Brasil com Chávez, está motivando novas práticas jornalísticas no Brasil. Pelo menos três jornalões – Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo – enviaram jornalistas para cobrir as eleições de ontem, mas a cobertura mais íntegra não é de nenhum deles: é do Valor Econômico, que não enviou repórter. A Folha, um dia antes da eleição, inventou um decreto de última hora que já existia há doze dias e que parece coibir a boca-de-urna. O mesmo decreto proíbe a venda de álcool, como no Brasil, mas o jornal não publicou esse detalhe, possivelmente para evitar a comparação que seus leitores fariam.

Na edição de hoje, na qual os jornalões tiveram de aceitar o resultado das urnas amplamente favorável a Hugo Chávez, com mais de 60% dos votos, as inovações continuaram. Todos cometem o que, até poucos anos, era inadmissível: entrevistam jornalistas para tentar explicar o que, afinal, acontece com o povo desse país vizinho, onde, a despeito de toda a campanha movida pelos grupos que controlam a imprensa no continente, Chávez continua vivo – pior, com novo mandato que lhe assegura mais seis anos no poder.

O Estado inovou um pouco além dos seus pares ao tentar criar uma “fraude eleitoral” que nem os vigilantes jornais venezuelanos constataram, ao trazer hoje denúncia ide rregularidade, feira por uma partidária do candidato derrotado por Chávez. Como de hábito, o jornal multiplicou o caso, atribuindo-lhe um coletivo que não existiu. A reportagem com o título “Oposição reclama e teme fraudes” não traz “a oposição”; na verdade, traz a história de uma mulher que foi desmascarada por uma funcionária do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) após denunciar a “fraude”. O que aconteceu: a partidária anti-Chávez pretendia armar um escandalete para a imprensa internacional com uma grave “denúncia”: a tinta aplicada no polegar dos que já haviam votado não resistia à aplicação de álcool e acetona. A funcionária do CNE foi acionada e descartou a “fraude” ao ver vestígios de tinta nas unhas e na cutícula da denunciante. Nenhum jornal – nem os da Venezuela - comprou a história. Apenas o Estado. O caso bobo foi transformado em reclamação da oposição. Enquanto isso, na Venezuela, tanto a oposição quanto os jornais não questionam o resultado nas urnas.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Folha de SP e a síndrome do escorpião

Por Luís Nassif

Durante muitos anos, minha luta diuturna na "Folha" era tentar passar a mensagem de que direitos individuais são um valor que independe do personagem. A imprensa precisa ser guardiã desses direitos de forma incondicional, seja para assegurar direitos de culpados, seja para prevenir abusos contra inocentes.

Dizia isso porque havia uma tendência a enaltecer qualquer forma de desrespeito aos direitos individuais dos "inimigos do povo". Como foi o caso da celebração do feito do delegado que algemou o senador Jáder Barbalho. Quando se enaltece uma arbitrariedade dessas, mesmo em um personagem suspeito e marcado como Jader, está se convalidando qualquer arbitrariedade da polícia contra qualquer cidadão..

Não adiantou. A "Folha" fez enorme pampeiro quando o telefone da sucursal apareceu por engano no inquérito policial que apura a compra do dossiê. Três dias sustentando que a liberdade de imprensa estava ameaçada, mesmo com a informação de que o número tinha aparecido no celular de um suspeito, e não havia como saber de quem era sem quebrar o sigilo.

Ontem, a “Folha” soltou matéria com o título "Ligado a Berzoini, Vaccaro vira alvo da PF". O número de Vaccaro apareceu no celular de um dos suspeitos.

Na resposta à carta de Vaccaro ao Painel do Leitor, o repórter responde que "a reportagem não informou que houve quebra do sigilo telefônico de Vaccaro. Suas ligações foram identificadas a partir da quebra do sigilo dos demais investigados". Então porque a manchete o colocou imediatamente na condição de suspeito?

No mesmo Painel do Leitor, uma empresa acusada de fraudar importações manda carta protestando contra a acusação. Resposta do repórter: ela não quis se pronunciar. Foi o suficiente para virar suspeita.

A saída, então, é atender a reportagem? Errado.

Na última carta do Painel, a TAM reage a uma matéria em que foi acusada de se recusar a transportar um menino com um tubo de oxigênio. Na carta, ela explica que não pode transportar devido a normas da Agência Nacional de Aviação Civil, que exige aviões especiais, já que tubos de oxigênio são explosivos.

A TAM foi ouvida para a matéria. O que não impediu que fosse alvejada com a manchete "TAM impede garoto de viajar".

Não tem escapatória. Hoje em dia há um verdadeiro pavor de empresas e pessoas em geral de atender a determinados jornais, porque é grande a probabilidade de serem alvos de matérias maldosas. Os que não atendem são alvejados sumariamente. Os que atendem, também.

Essa síndrome do escorpião – o exercício continuado de atirar em qualquer um que passa na frente – desenvolveu-se em algumas redações nos anos 80 e transbordou. Hoje em dia, se transformou em um distúrbio invencível em algumas publicações, uma posição suicida em um momento em que erros como esses são imediatamente identificados e divulgados pela Internet.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

O que move a Veja, além do 'fato jornalístico'?

A Veja vê um interesse subalterno em tudo o que os outros fazem - desde que esses outros não sejam seus colunistas, ou, mais ainda, sócios da Abril.

Pois bem, por que a Veja não é transparente com seus leitores - até para mostrar que não é movida por interesses outros que não a busca da verdade no fato jornalístico? Por que, por exemplo, após cada reportagem em que citasse o filho do presidente Lula - a quem chama sempre de Lulinha, embora o nome dele seja Fábio -, e/ou a Gamecorp e a PlayTV, a Veja não informa que faz parte do grupo Abril, que é sócio da MTV e disputa o mesmo público-alvo com a PlayTV?

Não agindo assim, a Veja autoriza o distinto público a julgá-la com a mesma régua que ela utiliza para medir o caráter dos outros, e, portanto, a utilizar um raciocínio típico de Veja contra a própria Veja: ela move essa campanha contra a empresa do filho do presidente para defender seus interesses na MTV.

(do blog do Mello)

pra não perder o costume...

Adesão?

Leio a manchete de primeira página da Folha de S.Paulo de hoje (29/11) e padeço de um sobressalto entre o fígado e a alma: Bancos lideram doações a Lula. Comento com meus aturdidos botões: o doutor Olavo e seus pares aderiram ao PT, este partido dado a práticas ilícitas, a tramas sinistras, a engodos sem conta. Meu Deus, onde estamos? E a troco de quais garantias quanto à permanência dos juros em altos patamares e do doutor Meirelles no Banco Central, o presidente conseguiu seduzir os banqueiros? Aí abaixo os olhos, e leio aquilo que alguns jornalistas chamam de linha fina, o subtítulo em corpo bem menor, e verifico que a mesma importância doada à campanha de Lula coube também à de Geraldo Alckmin. As pulsações voltam ao ritmo habitual. Mas por que será que a Folha gosta de me espantar? Meu dia teria começado melhor se também o candidato tucano estivesse na manchete.

(do blog do Mino. Grifo meu.)