Alceu Nader, 8 de Fevereiro de 2007 - Blog Contrpauta
Jornais que apostaram na criação de crise, a partir de entrevista publicada na revista Veja, ficam sem ter o quê dizer sobre iniciativa norte-americana
Ontem, editorial do O Estado de S.Paulo condenava:
"As aventuras da nova diplomacia brasileira, vagamente antiamericana, antiglobalização e comprometida com uma embolorada agenda do passado, foram denunciadas com grande elegância pelo embaixador Roberto Abdenur numa entrevista publicada pela revista Veja”.
Hoje, o jornal traz como manchete principal que: “EUA querem novo papel do Brasil na AL”. Na verdade, o “novo papel” é a oferta ao Brasil de coordenar, junto com os EUA, um projeto continental de expansão da produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar. Dando certo, os países pobres da América Latina que não têm reservas de gás ou petróleo (leia-se a Bolívia, de Evo Morales, e a Venezuela, de Hugo Chávez) teriam nova fonte para combater a pobreza. De quebra, tornaria dispensável a ajuda que Chávez vem oferecendo aos países latino-americanos.
A curva para a direção contrária ao noticiário dos últimos dias deixa, de inicio, várias dúvidas:
Como pode ser que o país mais poderoso do mundo não tenha lido na isenta imprensa brasileira que, na verdade, o governo Lula alimenta hostilidades contra os EUA?
Como pode, por cima de tudo, querer como sócio esse insidioso governo para um projeto estratégico de produção de etanol de proporção continental?
Outra integrante do primeiro escalão do governo dos EUA, a secretária de Estado Condoleezza Rice, também não deve estar a par das denúncias da nossa imprensa. Segundo informam todos os jornais de hoje, ela desembarcará em breve no Brasil para acertar detalhes do encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush.
Outra dúvida: Bush quer se encontrar com Lula para cobrar pessoalmente as razões do nefasto trabalho do Itamaraty?
Para não dar por nulo tudo que publicou nos três últimos dias, na mesma página em que traz o desmentido ao seu noticiário, o Estado usa o senador Jefferson Peres (PDT-AM), mostrando-o indignado com a “doutrinação ideológica” que corre solta no Itamaraty. A reportagem também informa que o ex-embaixador Roberto Abdenur foi convidado a comparecer no Senado na próxima terça-feira, para explicar suas denúncias na revista Veja. O convite atende ao requerimento apresentado pelo ilibado, quase beato, senador Eduardo Azeredo (PDSD-MG).
Outra pergunta se apresenta: O requerimento de Azeredo seria retribuição à solidariedade da maioria dos grandes jornais e revistas durante a apuração das origens do valerioduto?
A Folha de S.Paulo, que não embarcou na mesma canoa furada do Estado e do Globo (este, por obra da colunista Miriam Leitão), acrescenta que o requerimento foi aprovado pela Comissão de Relações Exteriores, chefiada por outro senador acima de qualquer suspeita, o ilibado Heráclito Pontes (PFL-PI).
Deve-se à Folha, mais precisamente ao repórter e comentarista Clóvis Rossi, a aproximação dos fatos noticiados com a realidade. Ontem, Rossi apontou as contradições do discurso de Abdenur na entrevista. Hoje, ele entrevista o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e revela quais são os perigosos autores da bibliografia que o secretário-geral do Itamaraty, vice-chanceler Samuel Pinheiro Guimarães, tentou ao Itamaraty:
"Amorim cita alguns dos livros recomendados por seu secretário-geral como prova de que não há um viés ideológico no método.
Um dos livros é do embaixador Álvaro Lins e trata do Barão do Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira. Nada tem, portanto, de esquerdista ou de texto de um simpatizante do atual governo (Álvaro Lins morreu em 1975).
Outro dos livros recomendados é “Chutando a Escada”, do acadêmico chinês Ha-Joon Chang, hoje na Cambridge University, do Reino Unido, que não é exatamente um templo esquerdista. A “escada” do título são ações protecionistas adotadas pelos países hoje ricos, na escalada para a riqueza, mas que, agora, “chutam” para impedir que os países em desenvolvimento as utilizem.
Amorim acha que o ruído despertado pelas recomendações de Guimarães se deve a um livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor emérito da Universidade de Brasília, o único dos recomendados que teria um viés esquerdista.
(…)
O Itamaraty adota indicações de leitura em todas as etapas do curso de preparação para a carreira diplomática, desde o Instituto Rio Branco até o curso de Altos Estudos, uma espécie de segundo vestibular, indispensável para ascender na hierarquia. Por isso, recomendações fora da estrutura dos cursos são contraproducentes.
Na reportagem, o ministro ainda apresenta a nomeação de vários embaixadores ligados ao governo de FHC para desmentir a denúncia de privilégios aos que têm a mesma afinidade ideológica.
O Estado também traz entrevista com Amorim, mas não traz palavra sobre os esclarecimentos publicados pela Folha:
Ao falar com a imprensa, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, saiu em defesa da maneira como o atual governo conduz sua política externa. “Vocês falam muito nisso”, disse aos jornalistas. “Não sei se estão impressionados com entrevistas recentes, mas o diálogo Brasil-Estados Unidos é o melhor possível. O presidente Lula fala com o presidente Bush com relativa freqüência. Meu diálogo com a Condoleezza Rice e os diálogos em variados níveis não podiam ser melhores”, reagiu.
E amanhã, o que trarão os jornais que apostaram na geração da crise no Itamaraty a partir da entrevista na Veja? Vão se desculpar pela má informação aos seus leitores ou dirão que, infelizmente, o governo dos EUA não põe fé na imprensa brasileira?
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