O Estado de S.Paulo de hoje cai fora do barco furado que embarcou ao dar como verdadeiros os erros a que fora induzido pela entrevista editorializada do ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur à revista Veja. O jornal comprara gato por lebre, e investiu pesado na denúncia de antiamericanismo e promoções por afinidade ideológica que a revista magnificou. Até editorial rendeu criticando a “agenda embolorada” da política externa.
Mas aconteceu que as denúncias do encerramento melancólico da carreira diplomática de Abdenur seriam desmentidas dias depois com a visita do subsecretário de Estados dos EUA, Nicola Burns. Ele trouxe o assentimento dos EUA à proposta brasileira para que ambos os países investiam juntos, no Brasil e em países pobres da América Latina e da África, num projeto global de produção de etanol que, agora, com a luz de emergência acesa pelo aquecimento global, ganha proporções globais. Brasil e EUA respondem, hoje, por 70% do etanol vendido em todo o mundo.
Ocorre que a tecnologia utilizada pelos EUA é de etanol extraído de grãos, particularmente milho, cuja prioridade é alimentar seres humanos e rebanhos para abate. A demanda por milho combustível poderia estourar as economias de países onde o milho é ingrediente básico da alimentação da população, como é o caso do México, ou de países que dependem da importação de grãos para a segurança alimentar, como é o caso da Argélia e outros países africanos.
O início das negociações para a criação do projeto Brasil-EUA transformam em pó-de-traque as denúncias do triste ex-embaixador.
Em sua edição de hoje, o jornal repara o equívoco ouvindo os dois principais atores desse início de entendimentos – Burns e Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Várias perguntas do jornal a Burns enfocam as “denúncias” de Abdenur. Por assunto, ele disse o seguinte:
DIÁLOGO SUL-SUL
Disse o ex-embaixador à revista:
“Existe um elemento ideológico muito forte presente na política externa brasileira. A idéia do Sul–Sul como eixo preponderante revela um antiamericanismo atrasado.”
(…)
“A esta altura da vida, com o mundo em transformação vertiginosa, não vale mais valorizar tanto a dimensão Sul-Sul. Isso é um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado.”
Diz o subsecretário na entrevista ao Estado:
“Achamos que o Brasil está seguindo uma agenda muito responsável, muito cooperativa, muito positiva na América do Sul e na relação Sul-Sul”.
(…)
“Parece que o Brasil está certo em ter uma orientação Sul-Sul porque é hoje um dos grandes líderes do mundo. O Brasil tem apelo para alguns países pobres porque eles vêem que o Brasil teve sucesso. O Brasil tem laços étnicos e de língua com países africanos, além de com países europeus. Então, se o Brasil pode ter uma boa relação Sul-Sul com países da América Latina e da África, é positivo”.
Na entrevista do ministro brasileiro Estado, várias denúncias são desmentidas:
Afinidade ideológica e promoções no Itamaraty
“É leviano afirmar que as promoções no Itamaraty obedeçam a critérios ideológicos. Isso é uma ofensa”.
Antiamericanismo na diplomacia brasileira
“Não há antiamericanismo. Muito pelo contrário. A busca de parceria não é só a discussão em torno de acordos bilaterais como o do etanol, mas a busca de um diálogo sobre o mundo. Se os EUA percebessem uma atitude antiamericana, você acha que isso ocorreria? A melhor resposta está nos fatos.”
(…)
“Os contatos intensos do presidente Lula com o presidente George W. Bush, muitas vezes por nossa iniciativa e muitas vezes por iniciativa deles. Sempre de maneira produtiva e amistosa. Por exemplo, na discussão em torno do biocombustível, temos o interesse comum em criar o mercado global do etanol. Isso foi uma iniciativa brasileira. Temos também trabalhado juntos no Haiti, sobre o qual eles nos ouvem muito. Há uma relação madura e positiva em relação aos temas do continente.”
Já a revista Veja desta semana omite completamente a vinda da missão dos EUA ao Brasil, bem como o projeto comum entre os dois países para a produção de etanol em escala global. Seus leitores são brindados com a reportagem que remete para a suspensão da bibliografia recomendada pelo secretário-geral do Itamaraty na reportagem
“Sururu no Itamaraty
Está suspensa a leitura engajada. Já a política externa…”
Nela, sobre a “doutrinação”, que
“Até a leitura obrigatória, que Amorim mandou suspender diante da entrevista de Abdenur, foi minimizada pelo chanceler. Ele disse que, de três obras obrigatórias (Chutando a Escada, do chinês Ha-Joon Chang, Rio Branco, de Álvaro Lins, e Brasil, Argentina e Estados Unidos – Da Tríplice Aliança ao Mercosul, de Luiz Alberto Moniz Bandeira), apenas a última poderia ter algum viés esquerdista. Ainda assim, Amorim afirmou que decidiu suspender as leituras apenas para evitar o que chamou de “mal-entendidos” explicitados pela entrevista de Abdenur a VEJA”.
No parágrafo abaixo, a revista acrescenta:
A leitura obrigatória de obras alinhadas com a doutrina nacional-terceiro-mundista do chanceler Amorim foi introduzida pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, no início de 2004. A leitura é parte de um cursinho de duas semanas a que Pinheiro Guimarães submete todos os diplomatas que estão sendo transferidos de posto.
O viés ideológico das aulas, apelidadas no Itamaraty de ‘Escolinha do Professor Samuel’, é inequívoco.
O apelido não é do Itamaraty. Em setembro de 2004, a revista trouxe a reportagem “Escolinha do professor Samuel”, cujo alvo era precisamente o secretário-geral do Itamaraty.
Por Alceu Nader, do blog Contrapauta
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