A reação contrária de boa parte da grande mídia, da maioria dos analistas, comentaristas e colunistas políticos, de líderes dos partidos de oposição ao governo federal e dos presidentes e parlamentares das duas casas legislativas federais – Senado e Câmara - à proposta de produzir uma reforma política através de uma constituinte exclusiva para essa finalidade, era esperada. Não surpreende, pois vai ao encontro de uma tradição da política brasileira, das coisas serem resolvidas pela superestrutura, pelas elites políticas, em detrimento da ampla participação popular. "Vamos fazer a revolução antes que o povo faça..."
A grande mídia e a maioria dos seus analistas, comentaristas e colunistas políticos, que reverberam os interesses das elites políticas e empresariais do país – alguns desses profissionais vítimas da massificação ideológica de determinados valores e dogmas pelos quais são tensionados no cotidiano das redações e que às vezes involuntariamente reproduzem -, não podem conviver com o grau de imprevisibilidade de uma constituinte exclusiva, onde os mandatos dos constituintes são restritos à finalidade de sua convocação, e se encerram mediante o encerramento da mesma. Isto é, não estão premidos pela necessidade de reprodução de um mandato futuro, no qual alguns acordos republicanos e, principalmente, os não republicamos podem ser determinantes para a definição dos trabalhos constituintes.
Se a onda pega e ganha apoio popular, essa convocação pode não se restringir à reforma política, mas ganhar estatuto de uma constituinte ampla, geral e irrestrita, que o país e o povo brasileiro reclamam e que o PT vacilou ao não liderar um movimento político social para propor a sua convocação após a eleição de Lula à Presidência da República. Governar sob a ordem jurídico-política vigente, tanto a herdada pelas limitações da Constituição promulgada em 1988, quanto a boa parte dela que foi estabelecida pelas reformas constitucionais do longo reinado tucano-pefelista, se afiguram grandes dificuldades para a promessa transformadora representada pelo governo Lula, a despeito das escolhas e dos erros por ele cometidos.
Temor semelhante é o da oposição conservadora. Um processo de eleição constituinte exclusiva descolado do processo eleitoral tradicional, onde não há disputa para cargos majoritários – Presidência, governos, prefeituras e Senado -, mas sim disputa por proposições e projetos políticos para o país, leva necessariamente à uma politização popular que o conservadorismo brasileiro não tolera. Esse processo, no interior da tradição política brasileira, seria algo por si só revolucionário.
Os presidentes do Senado e da Câmara, até para preservar a autoridade e a legitimidade dos seus cargos, não poderiam ter reação diferente, principalmente sendo um deles um político conservador representante legítimo da tradição patrimonialista presente na política brasileira e outro de um partido comunista, logo e, por isso, sempre posto sob suspeição pelos seus pares majoritariamente conservadores. Quanto à reação dos parlamentares que se opuseram à proposta, o já conhecido corporativismo e o temor pela redução de suas prerrogativas – sob o manto da defesa da independência entre os Poderes - que uma constituinte nesse moldes representa, são auto-explicativos.
Para além da manifestação de Lula, o governo federal, através do ministro Tarso Genro, e o PT, vide declaração atribuída ao presidente nacional do partido, Ricardo Berzoini, assumiram uma posição favorável, mas defensiva em relação à proposta.
Em relação ao ministro, é compreensível a cautela em relação a uma intervenção unilateral do executivo num tema que do ponto de vista formal diz respeito também aos poderes judiciário e legislativo, e que ainda não alcançou legitimidade popular que justifique esgarçar tal formalismo. Mas acho que a Executiva Nacional do partido deveria assumir esse desafio proposto por Lula, já que o momento é bastante favorável para um debate como esse, e se credenciar para disputar e mudar a agenda política do país – onde a questão moral viceja - nessa conjuntura eleitoral. A proposta de convocação de uma constituinte exclusiva para produzir uma reforma política poderia atrair uma poderosa mobilização social e representar uma mudança qualitativa nos rumos da luta política no país.
(Flávio Loureiro, jornalista e Editor do Página 13)
segunda-feira, agosto 07, 2006
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