Uma questão recorrente no debate sobre as políticas públicas do setor de comunicações no Brasil é a exclusão histórica da sociedade civil como ator significativo na sua formulação. Salvo raras exceções – e, mesmo assim, contraditórias e questionáveis – o principal interessado na existência de uma comunicação democrática tem sido um não-ator, sistematicamente excluído por aqueles que de fato exercem o poder no setor, vale dizer, os grupos privados de mídia e o Estado.
Existem, claro, várias razões para essa exclusão histórica. Ao contrário de setores de políticas públicas que envolvem direitos consolidados como a saúde, o salário mínimo, o emprego, a educação ou a moradia, o direito à comunicação não está positivado legalmente e a consciência de sua existência ainda é difusa e reduzida na grande maioria da população brasileira.
Reside aí, aliás, um dos principais nós da questão. Nas comunicações, são os atores cujos interesses predominam – os grupos privados de mídia – os responsáveis principais pela colocação dos temas em discussão na agenda pública. E mais: são esses atores que têm o maior poder de influenciar, direta e/ou indiretamente, na formação da consciência pública sobre o problema.
Um complicador adicional, como qualquer estudioso da sociologia da cultura sabe, é que os hábitos no consumo do entretenimento e da informação são construídos no longo prazo. E quando não se tem uma alternativa de referência, dificilmente o modelo cultural hegemônico será questionado. (Daí, no caso da televisão, a maldosa falácia do "argumento do controle remoto" ou do "basta desligar o aparelho".)
Modelo oligopolista
Essas questões vêm a propósito de decisões que certamente serão tomadas em futuro próximo na regulação das comunicações. E tudo indica que, mais uma vez, sem a participação do principal ator interessado. Refiro-me à inadiável Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), que deverá não só regular o mercado de comunicação eletrônica mas o mercado de comunicações como um todo.
A elaboração de uma LGCEM, que vinha sendo postergada há anos, passou nos últimos meses a interessar aos mais poderosos atores do setor, isto é, à "velha" mídia e às teles. O modelo de negócios que vai prevalecer no mundo da convergência tecnológica digital deverá ser definido. Essa decisão terá repercussões imensas na economia política do setor, inclusive nos muitos ramos industriais vinculados às comunicações – elétrico, eletroeletrônico, informática. Não é pouca coisa que está em jogo.
Exatamente por isso, os grandes atores já se mobilizaram e atuam abertamente, pelo menos em dois sentidos: consultores especializados trabalham na elaboração de propostas de LGCEM que servirão de referência de negociação política com o governo e o Legislativo; e seus representantes apresentam projetos de lei que necessariamente terão que ser levados em conta quando um projeto de LGCEM começar a tramitar no Congresso Nacional.
Para a sociedade civil, o que está em jogo é a manutenção de um modelo oligopolista que não contempla o direito à comunicação e não atende à maioria da população brasileira. Convenhamos, também não é pouca coisa.
Papel central
Quando a Federal Communications Commission – a agência reguladora das comunicações nos Estados Unidos – tentou "flexibilizar" as regras da propriedade cruzada dos meios, em 2003, uma imensa e inesperada reação da população junto ao Congresso impediu que a medida fosse consumada. Milhões de e-mails entupiram as caixas de correio eletrônico de deputados e senadores mostrando o desserviço à democracia do que lá se chama "controle corporativo da mídia".
A reação popular nos Estados Unidos foi conseqüência de um trabalho de "formiguinha" que dezenas de entidades de observação e crítica da mídia vêm fazendo ao longo do tempo. No Brasil, ainda falta muito para que o direito à comunicação se consolide junto à maioria de nossa população.
Estamos avançando, todavia. Partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e observadores estão cada vez mais ativos no trabalho de mostrar à população o papel central que a mídia exerce nas democracias contemporâneas – e, portanto, no cotidiano da vida de cada um de nós.
Não há outro caminho.
Por Venício A. de Lima em 6/3/2007 - Observatório de Imprensa
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