segunda-feira, março 26, 2007

Entrevista de Márcio Thomas Bastos para a Folha revela o que pensa a Folha

O teor das perguntas formuladas por Kennedy Alencar ao ex-ministro da Justiça revela o que pensa e como se orienta politicamente o maior jornal do país. É uma chuva de lugares-comuns e de preconceitos enraizados contra a pessoa de Lula, seu governo, sua trajetória. O cara não tem o menor respeito e tampouco - o que é pior - a menor noção da importância de Lula para a história do nosso país. Não obstante, o ex-ministro dá um show de bola.

Após 50 meses no governo, ex-ministro da Justiça defende ações da polícia, nega ter atuado como advogado do presidente e caracteriza Lula como um "democrata"


O EX-MINISTRO Márcio Thomaz Bastos revela que ouviu "reclamações de todos os lados", do governo e da oposição, a respeito das operações da Polícia Federal em seus 50 meses à frente do Ministério da Justiça. "É uma questão de resistir às pressões e tocar numa linha republicana", diz.

Um dos auxiliares mais próximos do presidente no primeiro mandato, ele nega ter sido mais advogado do que ministro, acusação que críticos lhe atribuem. Aos 71 anos, Bastos retoma a atividade de advogado criminalista -uma carreira de 50 anos só interrompida na passagem pelo governo. Escreveu 17 cadernos com um diário do primeiro ao último dia de governo "só colocando os fatos tal como os via, equilibrando objetividade e subjetividade". Não sabe ainda que "uso" fará deles. Falou à Folha em seu novo escritório em São Paulo, na quinta-feira passada.

FOLHA - A PF fez grandes operações em sua gestão, mas críticos apontam um viés de marketing. Ela também não elucidou o dossiegate e o caso da violação do sigilo do caseiro, que envolviam figuras do governo e do PT.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS - A PF trabalha de uma maneira impessoal. Não persegue e não protege. Foi reconstruída em equipamentos, em treinamento de pessoal, em motivação, em liderança e em planejamento estratégico. Houve uso intenso de inteligência. Atingiu gente de todos os partidos. Gente próxima ao governo, gente de oposição ao governo. Os dois casos citados foram esclarecidos, relatados e enviados ao Ministério Público.

FOLHA - Não se sabe a origem do dinheiro de compra do dossiê até hoje nem o mandante.

THOMAZ BASTOS - Talvez nem se saiba. Existem casos em que a investigação tem um limite.

FOLHA - Em reuniões reservadas, o presidente e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, reclamaram das ações da PF que atingiram o governo e o PT, suspeitando de uso de setores dela pela oposição. O sr. recebia pressão para controlar a PF?

THOMAZ BASTOS - Não. Sempre disse que não controlava a PF nem queria controlá-la. Houve reclamações? Houve reclamações de todos os lados. Do mesmo jeito quando atingia gente ligada ao PSDB e ao PFL.

FOLHA - O presidente e José Dirceu reclamaram?


THOMAZ BASTOS - O Lula nunca reclamou.

FOLHA - Questionava?

THOMAZ BASTOS - Nunca questionou, mas eu explicava e contava as operações para ele, sobretudo as que atingiam muita gente. Em alguns casos, ele ficou chocado.

FOLHA - Por exemplo?

THOMAZ BASTOS - Aquele do dólar na cueca. Contei para ele logo após uma cerimônia no Palácio do Planalto, após uma solenidade. A primeira reação foi não acreditar, achar que era um pesadelo. Nunca houve uma ordem "não faça isso, não faça aquilo", apesar de muitas vezes ele ter recebido pressões enormes do partido dele, de aliados e da oposição.

FOLHA - E Dirceu, reclamava?

THOMAZ BASTOS - Comigo não. Agora, ninguém gosta de ser investigado pela PF. O sujeito mais culpado do mundo não gosta. É uma questão de resistir às pressões e tocar em uma linha republicana. Paulo Lacerda [diretor-geral da PF] é inegavelmente a maior vocação de policial que conheço.

FOLHA - O sr. defende que Tarso Genro [novo ministro da Justiça] o mantenha em definitivo?


THOMAZ BASTOS - Deveria continuar o resto da vida pela probidade, pelo brilho e pela liderança. Uma liderança dos atos e não do que diz.

FOLHA - Uma crítica ao sr. é que teria agido mais como advogado do governo, impedindo que Lula fosse acusado de crimes de responsabilidade, do que como ministro da Justiça. É atribuída ao sr. a tese de que o mensalão foi crime eleitoral -forma de admitir um delito menos grave e minimizar danos políticos.


THOMAZ BASTOS - Não sou advogado do presidente. Eu era antes de assumir o Ministério da Justiça. Como ministro, eu era ouvido a respeito das questões. Não articulei nem criei essa tese de crime eleitoral. Foi se criando uma lenda.

FOLHA - Por quê?

THOMAZ BASTOS - Uma série de circunstâncias. Havia uma oposição encarniçada, para a qual não era má idéia derrubar o ministro da Justiça. Por outro lado, me superavaliavam como advogado. Achavam que eu era um Maquiavel, um sujeito capaz de organizar coisas e montar versões. Quando assumi o Ministério da Justiça, sabia que devia duas lealdades. Uma lealdade com o presidente e uma lealdade maior com as instituições. Depois de quatro anos, posso afirmar que minha lealdade ao presidente não toldou minha lealdade às instituições.

FOLHA - No episódio do jornalista Larry Rohter, essas duas lealdades estiveram em choque? Se Lula tivesse insistido na decisão de cassar o visto de permanência do correspondente do "New York Times" [por ter escrito texto no qual citava comentários sobre suposto uso de álcool por Lula], o que equivaleria politicamente à expulsão, teria cruzado o limite da democracia?

THOMAZ BASTOS - A reconsideração foi uma decisão sábia do presidente. Me orgulho de tê-lo ajudado a tomar essa decisão. Naquele caso, o jornalista foi enormemente injusto. Não checou suas fontes. Fez uma matéria altamente equivocada. Entretanto, a decisão de expulsá-lo teve um estrépito tão grande que obscureceu o erro dele e criou a imagem de um governo prepotente. A reconsideração atendeu àquela lição da Suprema Corte americana e que está na nossa Constituição.
A Constituição não quer que a imprensa seja justa. Quer que a imprensa seja livre.

FOLHA - Por que é ruim a relação de Lula e do PT com a imprensa?


THOMAZ BASTOS - Desconfiança recíproca. O governo desconfiava da isenção da imprensa brasileira. E a imprensa desconfiava dos caminhos que o governo queria tomar e das lisuras das intenções do governo em relação à própria imprensa. Acredito que o presidente aprendeu, e a imprensa aprendeu. No segundo mandato, poderão ser corrigidos os erros que sombrearam a relação com a imprensa.

FOLHA - O PT e o governo não têm uma visão autoritária sobre o papel da imprensa? Não a vêem como instituição, mas como instrumento, contra ou a favor?

THOMAZ BASTOS - Todo governo tem essa visão, com diferentes níveis de tolerância. Todo governo tende a achar que a imprensa está errando porque um dos papéis da imprensa é criticar o governo. A crítica à oposição é "en passant". E aqueles partidos e grupos políticos que têm a certeza de que estão trabalhando pelo bem da nação e que têm um grande fim a ser atingido muitas vezes tendem a achar que tudo que atrapalhe aquilo é inimigo.

FOLHA - O sr. é a favor da rede pública de TV que Lula deseja criar?

THOMAZ BASTOS - Depende muito de como isso será colocado. Uma TV de governo, não. TV "Voz do Brasil", de jeito nenhum. Mas uma TV pública, como nas democracias avançadas, pode ser considerada com muito cuidado e estruturada após longo debate. Com gestão independente, conselho curador, de modo que não possa ser manipulada.

FOLHA - O estilo do presidente, de dizer "nosso Delúbio", de se referir aos petistas envolvidos no dossiê como "meninos", não transmitiu excesso de cordialidade e informalidade que contribuiu para que ocorresse o mensalão e o dossiegate?

THOMAZ BASTOS - Não. Conheço o Lula bem. Ele me conhece bem. Gosto muito dele. Ele gosta muito de mim. Ele demonstra afetividade. Esse estilo cordial faz parte da natureza dele.

FOLHA - O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda?


THOMAZ BASTOS - Nem um pouco. Ele tem um respeito pelas instituições republicanas que foi adquirindo na prática. Aprendeu no sindicato, na vida política na oposição e no governo. Nas crises, vários ministros ligadíssimos a ele saíram do governo. Eram sujeitos que faziam parte da vida afetiva dele, mas ele não hesitou em tomar as decisões que precisava. O discurso de posse de Milton Campos no governo de Minas em 1947 parece um tratado de política republicana. Ele disse "um governo mais da lei do que dos homens". O governo Lula é também dos homens, mas é muito mais da lei.

FOLHA - Não houve momentos de tentação autoritária?

THOMAZ BASTOS - Queria fazer uma biografia do Lula com suas três ressurreições. No primeiro momento, superou os obstáculos da saga de um nordestino pobre que migra para o Sul e melhora de vida. A segunda saga é a política. Funda o PT. E perde quatro eleições majoritárias, uma atrás da outra. Perde em 1982, para o governo de São Paulo. Em 1989, 1994 e 1998 perdeu três disputas presidenciais. Ninguém na história das repúblicas ocidentais perdeu quatro eleições seguidas e sobreviveu. François Mitterrand [presidente da França entre 1981 e 1995] perdeu duas. Há casos de políticos que perderam uma ou duas e ganharam a seguinte. Lula perdeu quatro, renasceu e se elegeu em 2002. Imaginou que tivesse chegado ao paraíso. Aí veio a crise de 2005, na qual ele perdeu a liderança nas pesquisas, sofreu baixa de popularidade e se recuperou em 2006. Enfrentou uma crise no primeiro turno, a do dossiê, e se reelegeu com mais de 60% dos votos no segundo turno porque fez um governo bom, que distribuiu renda com uma política macroeconômica consistente. Nessas sagas, ele sempre agiu como um democrata. Lula nunca cruzou as linhas democráticas e institucionais.

FOLHA - Esse discurso inaugural, do "nunca antes neste país", não é injusto com as conquistas acumuladas em outros governos e que ajudam a gestão Lula?

THOMAZ BASTOS - Claro que ele trabalha em cima de conquistas. Mas é o entusiasmo de quem está empolgado pelo trabalho que faz.

FOLHA - Não soa gabola?


THOMAZ BASTOS - Pode soar gabola. Mas passei 50 meses ao lado dele e vi como ele aprendeu a governar, como nós todos. Eu era uma coisa em 2003. Ele era uma coisa em 2003. Ele é outra. Em 2007, tem o governo na mão. Sabe o que quer. Tem um ceticismo saudável em relação à máquina pública. É um homem maduro para fazer um grande mandato.

FOLHA - Lula tem se comparado a JK e Getúlio, muitas vezes dizendo que seu governo foi melhor do que o deles. Não é exagero?

THOMAZ BASTOS - Lula é uma grande liderança política, como talvez nunca tenha havido no Brasil. Daqui a alguns anos, a era Lula será citada como a mais nítida e a mais importante do Brasil. Vai obscurecer muitos outros presidentes. Será um marco tão importante que provocará efeitos nas outras gerações, como Getúlio provocou. Lula sabe que, nesse mandato, ele joga a sua sorte de grande líder e presidente.

FOLHA - Lula pode ser candidato em 2014?

THOMAZ BASTOS - Tem chance de ser. É uma liderança com nitidez e prestígio no mundo inteiro. A figura do Lula e o seu governo provocam admiração no Brasil e lá fora. É um homem saudável, que se cuida mais no governo. Está mais vaidoso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lulista é fogo mesmo ... ejacula até com piada sem graça ... e com bobagens de um jeca ... qual é a graça disto ... o lulismo tolinho.