sábado, março 03, 2007

Folha defende, para a tevê, remédio que se recusa a tomar: a auto-regulamentação

Nada como um dia após o outro. A Folha de S. Paulo, defende, hoje, em seu editorial “Contra o abuso”, a aplicação do mesmo remédio que recusa-se a aceitar para coibir os abusos cometidos pela imprensa. O jornal classifica como “hipócrita” a resistência das emissoras de televisão em adequar sua programação por faixas de horário, como solução para evitar a exibição de cenas de baixaria explícita ou de violência para crianças e adolescentes. Diz o jornal que as tevês, “agitam a bandeira da liberdade de expressão, mas pretendem apenas obter salvo-conduto para continuar tratando crianças e adolescentes de forma discriminatória”.

O nó da questão é o horário de verão, que deixa cerca de 26 milhões de jovens e crianças do Norte e do Leste do Brasil “suscetíveis a programas inadequados para sua idade já no início da noite”. Asas emissoras negam-se a adequar sua programação por “dificuldades técnicas”. Essa argumentação, diz o editorial, tem interesse comercial e não se justifica aos “olhos da lei”.

Depois de apresentar os instrumentos que a Justiça oferece para coibir - e punir - os abusos, prossegue afirmando que as empresas controladoras das emissoras estão tentando passar à sociedade a impressão de que o setor padece de regulamentação. Não é bem isso, explica. “A legislação confere à sociedade poder para exercer um controle ativo e até severo -em nome, principalmente, dos direitos da criança a uma proteção especial”, diz a Folha

Finalmente, no último parágrafo, receita o remédio que não só ela mas todos os jornais, em bloco, recusam, acusando-o da mesma ameaça à liberdade de expressão. “As emissoras deveriam mudar a conduta e investir em mecanismos de auto-regulação”, recomenda.

Esse blog defende o mesmo para a imprensa em geral, assim como ocorre em países onde a sociedade tem maior poder de expressão e defesa, como a Grã-Bretanha, por exemplo, onde funciona o mais bem acabado órgão auto-regulamentador contra os prejuízos que notícias falsas, incompletas, mal-apuradas ou desonestas provocam.

Como o Contrapauta publicou, em 7 de novembro do ano passado, lá funciona sem travas o PCC - Press Complaint Commission, ou Comissão de Queixas à Imprensa, cuja maior sacada não é criar fantasmas censórios do Estado, mas sim exibir o castigo a qualquer notícia mal-intencionada ou mal-produzida que provoque prejuízo a uma única pessoa, a um segmento da sociedade, ou até mesmo ao país ou ao governo.

Consta na postagem desse dia:

A Press Complaint Commission, Comissão de Queixas à Imprensa, da Grã-Bretanha, é modelo e referência para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento que decidiram criar comissões auto-reguladoras que funcionam como órgão ouvidor e de conciliação aos pedidos de reparação e correção apresentados pela sociedade. Trata-se de um órgão não ligado ao governo, mas bancado pela própria indústria de mídia, com distribuição de poder e voto que neutraliza o poder de influência da mídia nas decisões que são tomadas a partir de um Código de Conduta comum a todas os veículos de informação.

Aqui, por ora, qualquer iniciativa no sentido de coibir os abusos continua sendo derrotada pela vaga ameaça de censura e coerção aos direitos de expressão. Nem mesmo a lei que tipifica o crime de imprensa consegue passar pelo senado, onde sempre aparece um senador com interesses diretamente ligados à indústria de mídia para bloquear o projeto.

Também em novembro passado, o projeto voltou à pauta, mas foi bloqueado pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que cricou um relatório alternativo para derrubar a matéria a ser votada. Na época, a Folha noticiou a artimanha do senador na reportagem “Senado debate lei que tutela reportagem”.

Nada como um dia após o outro.

3 de Março de 2007 @ 08:45 por Alceu Nader - http://blog.contrapauta.com.br/

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