quinta-feira, julho 27, 2006

Entenda o escândalo

A profusão de meias informações ou de informações distorcidas que a imprensa vem despejando sobre o público o impede de compreender exatamente do que se trata o escândalo dos Sanguessugas. No caso desse escândalo, e a exemplo do escândalo do "mensalão", mais é menos. Quanto mais a imprensa gasta espaço para tratar do assunto, menos as pessoas o entendem.

A imprensa provoca essa confusão porque o entendimento do escândalo pelo público seria igualmente danoso a toda a classe política e não a um grupo político específico (o PT), o que anularia eventuais resultados eleitorais pró-tucanos. Dessa maneira, a imprensa entope o público de notícias escolhidas que realçam injustificadamente o suposto envolvimento de dois parlamentares petistas e de dois ex-ministros da Saúde do governo Lula, quando, na verdade, foi graças ao atual governo que o esquema de venda superfaturada de ambulâncias para prefeituras começou a desmoronar.

Antes de prosseguir, vamos estabelecer, em poucas palavras, do que se trata o caso dos Sanguessugas. Ainda não se sabe exatamente por meio de qual mecanismo uma empresa cooptou dezenas e dezenas de parlamentares para apresentarem emendas ao Orçamento da União destinando verbas para municípios comprarem ambulâncias. Aprovadas as verbas, as concorrências eram fraudadas e a maioria das compras era feita da mesma empresa, a Planam, por preços superfaturados.

As verbas para compra de ambulâncias eram liberadas pelo ministério da Saúde para os municípios. Porém, o ministério só liberava as verbas porque o Congresso as incluía no Orçamento federal. Claro que é obrigação dos ministérios fiscalizarem o uso das verbas que repassam a Estados e Municípios, mas, daí a ser lícito atribuir conivência aos ministros da Saúde que executaram o Orçamento, vai uma distância enorme. Ontem, hoje e sempre haverá muito desvio nas execuções orçamentárias dos poderes executivos de todos os níveis (federal, estadual e municipal) e nem por isso o executor do Orçamento terá agido de má-fé.

Dois ex-ministros da Saúde de Lula estão sendo acusados pela imprensa por suposta conivência com o esquema dos Sanguessugas: Saraiva Felipe, do PMDB, e Humberto Costa, do PT, candidato a governador de Pernambuco. A imprensa se baseia em declarações de Luiz Antonio Vedoin, diretor da empresa que comandou a corrupção toda, a Planam. Ele afirmou que conseguiu liberar verbas no ministério da Saúde quando eram comandados por Felipe e por Costa.

Dito da maneira acima, as pessoas são levadas a entender que essas liberações de verbas pelo ministério da Saúde ocorreram somente no governo Lula e que o simples fato de terem ocorrido é prova de que os ministros da pasta estariam envolvidos no esquema de corrupção. Porém, o fato é que o esquema, pelo que se sabe, surgiu em 2000, quando o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Saúde, José Serra, hoje candidato do PSDB a governador de São Paulo. Até 2002, as verbas do ministério da Saúde foram liberadas normalmente e financiaram o esquema dos Sanguessugas. No entanto, após a chegada de Lula ao poder os repasses do ministério da Saúde foram suspensos.

O empresário Vedoin citou três ex-ministros da Saúde: José Serra, do governo FHC, e Humberto Costa e Saraiva Felipe, do governo Lula. Sobre Serra, disse que torcia para ele vencer a eleição presidencial de 2002 porque, se isso ocorresse, as verbas da corrupção continuariam sendo liberadas normalmente. Sobre Costa e Felipe, disse que foi por meio deles que conseguiu reverter o bloqueio das verbas pelo governo Lula.

A imprensa se defende das acusações de que ataca os ex-ministros de Lula e protege o de FHC porque Vedoin só teria citado os dois primeiros. Essa é uma interpretação tendenciosa. A imprensa inferiu que como os ex-ministros de Lula liberaram verbas eles seriam coniventes com o esquema de corrupção, mas não vê responsabilidade nenhuma num ex-ministro que liberava verbas automaticamente, sem necessidade de gestão. Os três ministros, no entanto, liberaram verbas para um esquema de corrupção. Esse é o único fato concreto. Se os ex-auxiliares de Lula e de FHC "sabiam" ou "não sabiam", é outra questão. Concordo até que é preciso apurar, mas responsabilizar só dois em três que fizeram a mesma coisa, se isso não é prova de partidarismo eu não sei o que é prova de partidarismo.

Pior ainda que o tratamento seletivo da imprensa aos ex-ministros da Saúde, porém, é o tratamento que ela dá aos cerca de cem parlamentares envolvidos no esquema de corrupção. Apesar de tantos envolvidos, os do PT, sigla que tem dois envolvidos contra treze da oposição tucano-pefelista, são destacados em montes de reportagens que nenhum outro parlamentar envolvido teve sobre si.

Como se vê, escândalos podem ser manipulados de forma que as culpas sejam distribuídas de forma desproporcional aos indícios. O fim claramente eleitoral dessa manipulação jornalística constitui ataque ao estado de direito, à democracia, a todos os valores básicos que norteiam uma nação. Não custa supor que nesse processo hediondo inocentes podem estar sendo crucificados e culpados podem estar sendo acobertados pelas preferências políticas de órgãos de imprensa. Se isso não é corrupção, eu não sei o quê é, porque os políticos protegidos pela imprensa podem estar beneficiando seus acobertadores com recursos públicos.

(Por Eduardo Guimarães, no blog cidadania.com. Grifos meus.)

Um comentário:

Ricardo disse...

Merece um artigo como este a divulgação, no dia 25, no blog do Noblat e inúmeros outros, de uma prévia falsificada da última pesquisa do Ibope. Toda a assim chamada "imprensa online" embarcou na onda de um grande crescimento de Alkimim (seria 40 a 30 a 10), que não existiu, mas que fez a farra de muitos comentadores tucanos de blog. No mesmo dia o sonho deles foi desmentido pelo JN... Mas fica o registro: o repóter de "Época" falou ao vivo na CBN por volta de 3 da tarde, contando o rumor/mentira deslavada e em seguida a "boa notícia" (pra eles) se espalhou como rastilho de pólvora. Tolinhos...