No final de junho, o mal-intitulado Partido Popular Socialista (PPS) divulgou em rede nacional de rádio e televisão seu "apoio firme e decidido" à candidatura do neoliberal Geraldo Alckmin. O anúncio, que deve ter incomodado os militantes ainda ludibriados com seu rótulo de "socialista", confirma a conversão deste partido num instrumento da direita brasileira.
Desde sua criação, em janeiro de 1992, o PPS tem abdicado de qualquer aparência progressista, adotando posições sempre mais liberais e unindo-se ao que há de mais reacionário no país. Agora, ele encerra o ciclo ao aderir a um notório seguidor da seita fascista Opus Dei!
Além de escancarar a sua direitização, a aliança informal com o PSDB-PFL também pode encerrar de vez a curta trajetória desta agremiação. Seu 15º congresso, em março passado, havia aprovado a construção de "uma real alternativa no enfrentamento da falsa e artificial polarização PT-PSDB". O evento centrou-se na figura do deputado Roberto Freire, num curioso "culto à personalidade". Três meses depois, a direção partidária joga no lixo a resolução de sua instância máxima e anuncia o apoio ao direitista Alckmin. O pretexto apresentado foi o de que a cláusula de barreira exigiria priorizar a eleição de deputados federais.
A desculpa é esfarrapada. Tanto que o próprio Roberto Freire recusou-se a disputar a eleição proporcional no seu estado e será suplente do "alquimista" Jarbas Vasconcelos, preocupando-se mais com sua pele. Na prática, a decisão do PPS confirma a guinada do seu chefe-supremo. Desde a posse de Lula, Freire virou um implacável opositor. Seu blog pessoal é venenoso. Em abril passado, ele defendeu "o impeachment se impõe". Pouco antes, destilou veneno anticomunista ao taxar "o stalinismo do PT". O artigo mais recente condena: "Lula: nem honesto, nem sincero".
Também são constantes suas críticas à atual política externa, "que nos isola cada vez mais", e às relações democráticas do governo Lula com os movimentos sociais.
Para justificar sua adesão ao candidato do Opus Dei, o presidente do PPS se traveste de paladino da ética. Ele insiste nas denúncias de corrupção, algumas sem provas, contra o governo Lula, mas silencia sobre o envolvimento do ex-presidente tucano, Eduardo Azeredo, no esquema do "valerioduto", no arquivamento de quase 70 Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra as irregularidades do governo Alckmin ou na compra de votos para a reeleição de FHC. Defensor da privatização das estatais, ele nada fala sobre a privataria praticada pelo governo tucano, num dos maiores escândalos de corrupção da história do país.
A conversão de Roberto Freire chega até a intrigar jornalistas avessos às esquerdas. Em recente artigo, o corrosivo Sebastião Nery insinuou que o atual presidente do PPS teve vínculos com o famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI) na ditadura militar. Para ele, o "ex-comunista" sempre foi um homem da direita. "Ele fechou o PCB em 1992, abriu o PPS e foi líder de Itamar Franco, com cujo apoio se elegeu senador em 1994 e logo aderiu ao governo FHC... Agora, sem condições de voltar ao Senado, aliou-se ao PMDB e ao PFL de Pernambuco. Uma política nanica, sempre governista, fingindo oposição". Taxativo, o articulista garante que Roberto Freire é "um agente de FHC", um "quinta-coluna" dos tucanos.
O anticomunismo do PPS
Independentemente das inúmeras acusações e suspeitas, o anúncio da aliança informal com o seguidor do Opus Dei revela a triste trajetória de lideranças que no passado se autoproclamavam de socialistas. Com a débâcle da União Soviética, no início dos anos 90, uma histeria anticomunista devastou vários partidos de esquerda no mundo. Embalados pela perestroika e pela glasnost de Mikail Gorbachov, estes passaram a defender a inviabilidade do socialismo e a necessidade de cosméticas reformas no capitalismo. Em vários países, antigos PCs abandonaram a sigla comunista e o símbolo da foice e o martelo. Na prática, eles se converteram em organizações sociais-democratas e muitos assimilaram o receituário neoliberal.
Como lembra o historiador Antonio Ozaí, o PPS surgiu do racha no antigo Partido Comunista Brasileiro. No 10º Congresso do PCB, em janeiro de 1992, um setor liderado por Roberto Freire impôs a mudança do nome do partido, dos seus símbolos e do seu programa. Na ocasião, foi acusado por um setor minoritário de ter fraudado a eleição dos delegados. O abandono da perspectiva socialista logo cobrou o seu preço na luta política. O PPS se recusou a participar da campanha pelo "Fora Collor", encabeçada pelos partidos e movimentos sociais de esquerda. O mesmo Freire que hoje defende o impeachment de Lula atacou estas organizações, taxando-as de "golpistas, posto que viraram as costas para o processo institucional".
Após um tímido apoio à candidatura de Lula em 1994, o PPS embarcou no governo de FHC e passou a pregar a necessidade das reformas constitucionais, inclusive a flexibilização dos monopólios do petróleo e das telecomunicações. "O partido abandonou as posições estatizantes do passado e passou a defender a parceria entre o estado e o capital privado. A sua bancada no Congresso Nacional - que além do senador Roberto Freire incluía os deputados Sérgio Arouca (RJ) e Augusto Carvalho (DF) - também assumiu uma posição favorável ao fim da aposentadoria por tempo de serviço, das aposentadorias especiais, da estabilidade dos servidores públicos e da distinção entre empresa nacional e estrangeira", relata Ozaí.
A proposta de uma frente de oposição à reforma constitucional, defendida pelos partidos de esquerda, foi rejeitada pelo presidente do PPS como "um grave equivoco político que incentiva concepções golpistas. 'Não posso ficar tranqüilo vendo a esquerda defendendo o status quo', disse. Para ele, as reformas seriam uma exigência da sociedade e a esquerda não pode ser contra. As estreitas relações do PPS com o governo FHC renderam a nomeação de um de seus membros para o ministério extraordinário de política fundiária: Raul Jungmann. O ministro ex-comunista indicou militares para as superintendências do Incra e, autorizado pelo presidente FHC, ameaçou convocar os militares para reprimir o MST".
Este breve e deprimente relato histórico ajuda a entender a recente decisão do PPS de apoio ao direitista Geraldo Alckmin, candidato do bloco liberal-conservador às eleições presidenciais de outubro próximo. Na prática, o partido chefiado por Roberto Freire há muito se transformou numa organização fisiológica e pragmática, num instrumento das forças neoliberais travestido de "socialista". De apêndice da social-democracia de direita no Brasil, o PPS dá um novo e decisivo passo no rumo da sua completa diluição. A passagem do reformismo brando para o neoliberalismo descarado se completa.
Altamiro Borges, (Miro) é jornalista
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Um comentário:
o engraçado é que é esse mesmo povo que vem dizer que lula não é "coerente". pfff...
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