domingo, maio 14, 2006

o bananal é imenso

(Texto enviado por Alberto Luiz Schneider à coluna Cidadão Jornalista, da Folha de São Paulo, e publicado em 07/04/2006.)

"Dona Lu Alckmin recebeu quatrocentos vestidos de graça de um costureiro. O marido de Dona Lu era até ontem o Governador do Estado de São Paulo, o mais importante Estado do país, detentor do segundo orçamento da República. Ninguém sabe das motivações do generoso costureiro. Talvez seja o amor ao belo.

Mas o fato é que os vestidos entregues à mulher do poderoso homem público foram gratuitos. A digna senhora os vestiu. Certamente os decotes foram moderados como convém ao decoro de mulher de tão importante homem, ambos católicos praticantes. Surgiram diferentes versões para o destino dos vestidos. Ninguém sabe direito onde estão. Como ninguém sabia direito quem tinha quebrado o sigilo do Francelino. Graças à imprensa, que faz bem ao país ao exigir a investigação dos poderosos, agora sabemos. Parabéns.

O fato é a mulher do homem que detém o segundo mais importante cargo eletivo do país recebeu presentes privados. Presentes como esses, vestidos caros, que certamente não se encontram na Vinte Cinco de Março, habitualmente não são dados à mulheres de homens que não sejam importantes, como importantíssimo é o cargo de Governador do Estado de São Paulo! Cargo público dos maiores! Nem banco estatal falta, como falta ao infeliz governador do Amapá.

Como a imprensa brasileira tratou a questão dos quatrocentos vestidos? Mal tratou! Algumas matérias esparsas, técnicas, nada mais. Os intérpretes da opinião pública não se indignaram ao assunto. Tudo soou normal, ético, lícito. São presentes, apenas presentes. Todo mundo pode dar e receber presente. Outro dia dei uma saia para minha esposa. Ela gostou, achou delicado de minha parte.

Um certo Silvinho Pereira ganhou de presente uma Land Rover! A imprensa brasileira partiu como fera ferida contra o absurdo de um presidente de partido no poder ganhar um carro de luxo. A Folha de S. Paulo buscou na língua de Camões, "a última flor do Lácio, inculta bela", todos os adjetivos negativos para qualificar o caso e desqualificar o receptor do presente. E fez muito bem! Eu gostaria de saber o valor de mercado dos quatrocentos vestidos usados por Dona Lu. Em outras palavras, o valor dos vestidos equivalem a uma Land Rover? Valem mais, valem menos?

Mas seja honesto meu leitor amigo, aí na sua intimidade, você já imaginou o que imprensa brasileira diria se Dona Marisa da Silva recebesse quatrocentos vestidos? O que diria a Folha de São Paulo, a guardiã da moral pública do governo federal? Faltariam adjetivos ao vernáculo. Veriam crimes, não faltariam dispositivos legais a serem a citados com correção e precisão. A tal Dona Marisa da Silva, mais seu marido, o Presidente da República, seriam ambos ofendidos e qualificados em termos pouco honrosos. E que ninguém tivesse com piedade! Afinal delinqüiram. Homens públicos, diz a lei, não podem receber presentes dessa monta.

Quatrocentos vestidos para a mulher do Presidente! A prova da afetação mais que ridícula dos suburbanos no poder. Coisa de uma republiqueta de bananas, diria o Clóvis Rossi, que soltaria enfim o grito preso na garganta, com a alegria similar a um gol do Palmeiras. Impeachment ao canalha que governa o Brasil e a canalha que o serve! Alguém aí acha que esses vestidos são de graça, indagaria o premiado o jornalista. Quatrocentos vestidos, meu Deus, aonde chegamos! Nem Collor!

(A Veja dissertaria sobre a saudade da elegância e da discrição de Fernando Henrique e sua esposa. Quatrocentos vestidos para uma mulher feia, diria Diogo Mainardi! E a Ângela Guadagmin? A roliça senhora, nos termos usados por Josias de Souza, teria vestido uma blusa amarela do mesmo costureiro? Diriam que o crime se associara a breguice do subúrbio).

Quatrocentos vestidos à mulher do Presidente! Ridículo, não fosse trágico. O signo da morte da ética. Até a Danuza Leão investiria contra o casal presidente delinqüente, aproveitando para considerá-los pouco bonitos e bastante desajeitados, face aos padrões metropolitanos. Quatrocentos vestidos à mulher do Presidente! Por que a namorada de Francenildo nunca recebeu quatrocentos vestidos? Mas a mulher do ocupante do Planalto sim? Por que, é a pergunta que não quer calar.

Vinicius Torres Freyre faria uma coluna com requinte intelectual, para provar o sentido anti-republicano patente nos vestidos "dados" (diriam entre aspas) à mulher do poderoso de turno. Toda a Folha de S. Paulo se insurgiria em favor da ética e do decoro republicano, constrangida e ofendida pelo horror do Brasil, onde a mulher do Presidente recebe quatrocentos vestidos. Nem no Haiti! Alguém já viu Laura Bush ou Hillarie Clinton receber "de graça" vestidos? Na França jamais!

Eliane Cantanhêde e Fernando Rodrigues não ficariam atrás. Fariam colunas entre irônicas e iradas, sobre o ridículo tipicamente brasileiro, onde os poderosos são brindados com "presentes" ofertados de diferentes maneiras, dê-se o nome de caixa dois, mensalão ou o que for.

Se os honrados jornalistas e colunistas contestassem veementemente o Presidente, o qual sua mulher veste quatrocentos vestidos, todos dados de presente, não fariam mal, fariam muito bem! Convenhamos, quatrocentos vestidos à mulher do Presidente operário seria um escárnio!

Mas quando o poderoso é Geraldo Alckmin, um médico de interior, filho de boa família e marido da honrada Dona Lu, aí as coisas são diferentes. São bem diferentes! Os adjetivos são outros, as perguntas outras. O foco é outro, "Porque agora é Lula".

O Clóvis Rossi tem razão! Que bananal é o país inteiro. Inteiro! E as redações, como manda a constituição, não estão fora do país.

O Bananal é imenso. Imenso é o Bananal"

(os grifos são meus)

Um comentário:

Anônimo disse...

bom comeco