terça-feira, maio 23, 2006

BRASIL MENOS DESIGUAL

Renda do trabalho, Bolsa Família e mínimo explicam fenômeno

De acordo com o Ipea, o nível de renda do trabalho, aliado a programas como o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo determinam uma tendência de desconcentração de renda no Brasil.

Maurício Hashizume – Carta Maior

BRASÍLIA – Uma combinação "virtuosa" de vários fatores já produziu um fenômeno social sem paralelos na história brasileira. De acordo com estudos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), órgão ligado ao Ministério de Planejamento, o nível de renda do trabalho (estimulado pelos níveis de absroção da mão-de-obra), aliado ao Programa Bolsa Família - bem como a influência de outros programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) - e o aumento real para aposentadorias e pensões indexadas ao salário mínimo vêm determinando um viés de desconcentração no perfil da distribuição da renda no Brasil.

Pesquisadores do Ipea constataram essa influência diferenciada no quadro historicamente desigual da sociedade brasileira por meio da depuração de dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A renda do trabalho – escorada no crescimento considerável de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004 - assume grande peso na inflexão pró-desconcentração: 73%, de acordo com estimativas feitas pelos técnicos do instituto. Outro item que tem forte traço distributivo é o Programa Bolsa Família. Os benefícios do programa de transferência de renda não ultrapassam o nível de 2% do total da renda contabilizada pela PNAD, mas são responsáveis em aproximadamente 30% pela redução da desigualdade. Aposentadorias e pensões indexadas pelo salário mínimo também teriam peso importante no movimento de desconcentração, com 28% de participação. A somatória dos índices ultrapassa a marca dos 100% porque outras fontes de renda – como os juros de investimentos financeiros, a renda de aluguéis e as polpudas aposentadorias não indexadas pelo salário mínimo, por exemplo – são altamente concentradores e influenciam no sentido inverso. “A soma de todas as porcentagens de influência é que dá 100%”, explica Sergei Soares, pesquisador do Ipea.

A evolução do índice de Gini – indicador comumente utilizado para aferir o grau de desigualdade na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita – nos últimos anos permite, segundo Soares, notar uma clara diferenciação do perfil de concentração nos anos mais recentes. De meados dos anos 70 até 1994, quando se iniciou o processo de estabilização econômica, os dados utilizados para a composição do índice de Gini do Brasil revelam picos e depressões, mas não são muito confiáveis. De 1995 a 2000, verifica-se um nível constante de desigualdade constante. “Foi o período em que participávamos de uma competição mundial de desigualdade, ano após ano, com a África do Sul”, pontua Soares. A partir de 2001, no entanto, coincidentemente o ano em que foi adotado o Bolsa-Escola - programa predecessor do Bolsa-Família - inicia-se uma queda gradativa e ininterrupta do índice de concentração de renda. "Ainda somos campeões disparados na América Latina", mas ele grante que a redução "não é pouco". "Parece óbvio, mas demoramos para perceber que para diminuir a desigualdade era preciso transferir renda aos pobres”, brinca o pesquisador.

Fábio Veras, outro estudioso do Ipea que trabalha junto à unidade do Centro Internacional da Pobreza do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), enfatiza também a importância de programas como o BPC, que não exige condicionalidades (como a presença nas escolas para as crianças das famílias cadastradas no Bolsa Família), mas produz alto efeito no combate à desigualdade. Ele vê problemas na “obsessão” pela “eficiência” dos programas, que muitas vezes demanda um cuidado excessivo com a “focalização”.

NADA DE NOVO
As considerações dos pesquisadores do Ipea foram feitas durante seminário de lançamento do relatório “Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos virtuosos e viciosos”, elaborado pelo escritório de estudos de América Latina e Caribe do Banco Mundial. Em mais de 300 páginas, pesquisadores do organismo financeiro multilateral desenvolvem a tese de que a pobreza da região tem impedido patamares maiores de crescimento – que por sua vez determinam um círculo vicioso que mantém famílias, regiões e países pobres. O documento estima que um incremento de 10% nos níveis de pobreza pode reduzir o crescimento em 1% do PIB e achatar os investimentos em até 8% do PIB. O recado por trás do relatório é bastante óbvio: “investir nos pobres é um bom negócio para a sociedade como um todo, não apenas para os pobres”.

Para Veras, o Banco Mundial tenta inovar ao apresentar uma abordagem diferenciada que busca combinar o combate à pobreza com enfoque no crescimento econômico, mas acaba, no fundo, defendendo o mesmo receituário – de conseqüências trágicas – de sempre. Para países mais pobres e mais homogêneos, como Haiti, Bolívia e Honduras, o importante, defende o relatório, é crescer, repetindo a lógica “do bolo que precisa crescer para depois ser distribuído”. A prerrogativa de políticas de distribuição de renda é mais indicada para países um pouco mais desenvolvidos e mais heterogêneos, como Brasil, México e Colômbia. “Isso é justamente o que as pessoas que não se preocupam com a pobreza gostariam de ouvir”. Ele lembrou ainda que a população de países como o Peru desaprovam sistematicamente governos que não avançam na transformação social independentemente de índices consideráveis de crescimento.

Em adição, o relatório do Banco Mundial pede mais investimentos em educação e infra-estrutura, mas pouco se avança na questão do financiamento e não estabelece um vínculo mais estreito no que tange à colaboração internacional mobilizada pelas Metas do Milênio estipuladas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A questão da proteção social também segue, na análise do pesquisador do Ipea, o modelo europeu e dá ênfase no acesso à formação humana (educação e capacitação), mas não trata de questões importantes na América Latina como o acesso à terra.

Matéria publicada em 18/05 no site Agência Carta Maior

Estranhamente, não vi destaque para essa notícia na Folha. Veja que coisa.

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