Por Josias de Souza
Ao espalhar violência a esmo em São Paulo e no Rio, os dois centros urbanos mais vistosos do país, o crime organizado introduziu uma inusitada novidade na cena nacional: em vez de agir nos subterrâneos, como convém aos “negócios”, os delinqüentes decidiram mostrar a cara. Atacam instalações policiais, incendeiam ônibus, afrontam o Estado. É como se houvessem concluído que não há existência fora da mídia. Querem aparecer no “Jornal Nacional”. Roubam a cena, estebelecendo um caos que oferece ótima matéria prima para um recomeço, um convite à renascença. O caos intima o governo federal e as administrações estaduais à ação conjunta.
Sérgio Cabral, o novo governador do Rio, oferece a Brasília uma oportunidade única de mostrar eficiência. Diferentemente da administração paulista, Cabral aceitou tudo o que o governo federal tem a oferecer: Força Nacional, Forças Armadas e até o acesso às vagas disponíveis no presídio federal de Catanduvas (PR). Vai funcionar? Talvez não. Um descalabro de décadas não se resolve em semanas, meses ou no intervalo de um mandato. A repressão, de resto, não é o único remédio contra o câncer. É preciso limpar a polícia, humanizar os presídios, levar os serviços do Estado às comunidades pobres, hoje sob o domínio do tráfico.
A despeito da dúvida, Cabral acerta ao apostar na parceria com Lula. Se o crime é organizado, por que o Estado deveria insistir na desorganização? Espera-se que a colaboração se estenda ao aparato de inteligência e às engrenagens de controle da movimentação financeira. Impossível deter o crime sem mapear-lhe o patrimônio e os tentáculos financeiros.
Há, porém, uma grande ausência em todo esse debate. Falta ao enredo um personagem central: o grande nariz. O crime diversificou os seus negócios no país. Possui ramificações até no roubo de cargas. Mas a base de tudo continua sendo o comércio de drogas. Vende-se cocaína porque há no mercado quem se disponha a sorvê-la em grandes quantidades.
Cocaína é coisa cara. A sobrevivência do negócio está escorada num mercado de consumo de elite. Deseja-se combater o tráfico, mas tolera-se o consumo da droga. Fala-se em Marcola, em Fernandinho Beira-Mar, mas arma-se uma barreira de silêncio em torno do grande nariz. E por quê? Simples: o nariz invisível não é mencionado porque, se fosse, não haveria investigação. Ele é empinado demais para ser exposto em boletins policiais.
O grande nariz não está nem favela do Rio nem na periferia de São Paulo. Ele trafega em ambientes mais sofisticados: coxias de shows, camarins de desfiles de moda, corredores do Congresso, redações de jornal... Nas festas onde há drogas, entre uma cafungada e outra, ternos Armani e decotes Versace se dizem chocados com o noticiário sobre as atrocidades praticadas por criminosos. Deseja-se combater verdadeiramente o crime organizado? Pois antes é preciso que a sociedade comece a enxergar o nariz invisível que cheira nos ambientes requintados das grandes cidades. O grande nariz sustenta o tráfico, paga o suborno à polícia, financia a matança e banca a gasolina que incendeia ônibus
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