sábado, janeiro 20, 2007

Desmoronamento na Linha 4 - Consórcio rompe o silêncio e escolhe jornal do Rio para apontar falhas no projeto

19 de Janeiro de 2007, 10:02 por Alceu Nader

Imprensa paulista mantém blindagem a José Serra – e evita questões indigestas para o herdeiro de Alckmin


O buraco na Linha 4 do metrô em São Paulo é mais embaixo. Se forem apuradas todas as responsabilidades, a cratera aberta nas obras da Linha Amarela põe a nu a relaxidão da imprensa e seu encantamento cego com as privatizações. Os jornalistas foram levados de cambulhada no processo de osmose que contaminou a categoria profissional com a idéia de que a venda ou perda de importância de toda e qualquer estatal seria a solução para o fim dos problemas do Brasil. Muitos se tornaram mais realistas do que os reis, para alegria do patronato. A privatização ampla, geral e irrestrita passou a ser palavra de ordem, com a limpeza nas redações aos que não concordaram com o ideário vigente das empresas. Em muitos casos, prevaleceu a submissão pura e simples. O interesse público passou a ser secundário; o que valia era o estado mínimo, ainda que o cidadão saísse perdendo no frigir dos ovos.

O caso do metrô de São Paulo é exemplar em vários aspectos. O primeiro ponto é que ele é o único do mundo a registrar lucro. Não satisfeito com a “eficiência” alcançada, o governo paulista avançou nos descontos das passagens, e tirou do paulistano o desconto que todos os metrôs do mundo oferecem para quem paga antecipado pelos bilhetes. Mais: todos os sistemas de transporte coletivo das maiores cidades do mundo são subsidiados. Nesses países – nenhum de economia centralizada, pelo contrário - a sociedade paga indiretamente pelo preço menor das passagens, mas, em troca, tem um serviço de transporte coletivo mais eficiente e sem o prejuízo, várias vezes maior, dos engarrafamentos permanentes que bloqueiam a maior cidade do país. Mas no Brasil, onde a população nada em dinheiro, segundo a visão estreita dos governantes eleitos, optou-se por outro caminho. A mentalidade rasa dos últimos governos de São Paulo não incomodou a mídia. O que importava era o “saneamento” do modo de transporte coletivo mais bem avaliado pela população. Nessa “limpeza”, a área técnica do Metrô foi desmantelada e se jogou no lixo o conhecimento acumulado.

Hoje, apenas O Globo traz entrevista com o engenheiro Celso Rodrigues, coordenador de produção da Linha 4, apontando falhas no projeto elaborado pelo Metrô. Os dois maiores jornais paulistas, mais uma vez, foram furados pelo maior jornal do Rio de Janeiro, escolhido a dedo pelo consórcio de empresas para apresentar a primeira avaliação das empreiteiras sobre o desastre em que se viram soterradas. O fato de a falha apontada aparecer num jornal de fora também merece atenção e perguntas. O Globo é mais sério do que seus correspondentes paulistas? Estaria imune ao encantamento que levou os dois grandes jornais de São Paulo – e, de cambulhada, todos os demais meios de informação – a ignorar solenemente as seguidas denúncias de moradores que tiveram suas casas danificadas pelas obras? Ou o maior jornal fluminense foi escolhido para veicular a primeira palavra oficial das construtoras, por que os de São Paulo, desde o acidente, abriram o microfone para declarações de autoridades que transferiram a responsabilidade unicamente para as empreiteiras?

As perguntas acima abrem para uma seqüência quase interminável de interrogações – das quais muitas respostas dependem da inspeção técnica a ser realizada. Mas o que está claro, mais uma vez, é a opção político-partidária da grande imprensa paulista e seu afã privatista que, somados, encobriram a a incompetência administrativa de Geraldo Alckmin, o candidato derrotado da mídia nas eleições presidenciais. Até a última sexta-feira, quando a cratera se abriu, a Linha 4 era, para os grandes jornais, a prova cabal da incompetência do governo federal, em contraposição à gestão eficiente de Alckmin. Agora, com exceção da Folha de S.Paulo de hoje, que registra o silêncio do ex-governador na reportagem “Seis dias depois do desabamento, Alckmin ainda não comenta o caso”, a preocupação exposta nos jornais é pela blindagem de seu sucessor, José Serra.

Nenhuma questão indigesta lhe foi apresentada pelos repórteres nem pelos pascácios da privatização. Não é com ele, mas sim com seu antecessor, Geraldo Alckmin, que a Folha levou uma semana para lembrar de sua existência. Serra vai ao enterro de uma das vítimas com cara de paisagem. Tudo bem. Não é populismo, é solidariedade. Serra desvia a atenção da opinião pública com um programa de reformas na Marginal. Tudo bem. É o laborioso governador à frente de mais um investimento inadiável para a maior cidade do país.

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