Por José Dirceu
O senador Heráclito Fortes me enviou uma carta em resposta ao post "Mais seriedade e responsabilidade", publicado no dia 13 de novembro, sobre sua iniciativa para criar a CPI das ONGs no Senado. Publico a carta abaixo.
Na nota, eu dizia que ele pretende fazer voltar a moda as CPIs com finalidade única de desestabilizar o governo. Ontem, o senador apresentou ao Senado seu requerimento de criação da CPI, cujo conteúdo não conhecemos ainda.
O primeiro requerimento apresentado pelo senador foi refeito, porque não trazia fato determinante. Claro. A determinação do senador é, como ele mesmo afirma, em matéria publicada em seu site, "pegar petistas que montam ONGs". Ou, como informa o site do PFL, o "objetivo é desvendar transferência de recursos públicos para entidades petistas". Ou, ainda, segundo editorial do Estadão (de 20 de novembro): "Evidentemente, ao propor uma CPI para investigar os convênios firmados pela União com ONGs a partir de 2003 e acusar o governo de ter favorecido entidades vinculadas ao PT, o senador oposicionista Heráclito Fortes quer apenas fustigar o presidente Lula." Para o jornal, ainda assim, a idéia é boa.
Para desgastar o governo, querem mobilizar o Senado, a imprensa, a opinião pública. Mas será isso um fato determinante aceitável? Não. Então, apoiado em matérias publicadas pela imprensa, o senador trata de encontrar argumentos mais concretos que sirvam ao seu objetivo.
Em entrevistas, ele elenca como fatos determinantes, conforme sua conveniência, 1. a ligação de Jorge Lorenzetti à Unitrabalho, uma rede de apoio a projetos de pesquisa; 2. matéria da Folha de S.Paulo, do dia 12 de novembro, sobre auditoria do TCU em contratos firmados entre o governo federal e ONGs, entre 1999 e 2005 e 3. repasse de recursos da Petrobras para ONGs.
Todas essas questões são fiscalizadas por mecanismos institucionais, como o Tribunal de Contas, ou investigadas pelo Ministério Público. A Unitrabalho é investigada desde o dia 25 de setembro, e deu à Superintendência da Polícia Federal e ao Ministério Público do Estado de São Paulo o acesso irrestrito às suas instalações, documentos, registros bancários, fiscais e telefônicos, como divulgou aqui. Aliás, Jorge Lorenzetti, ao contrário do que afirma o senador, nunca foi presidente da Unitrabalho e não ocupa cargo na organização desde 2005.
Tribunal de Contas
No dia 8 de novembro, o senador propôs um requerimento ao Tribunal de Contas da União de uma auditoria para examinar a regularidade dos repasses de recursos a ONGs e OSCIPs nos exercícios financeiros de 2003, 2004, 2005 e 2006. Quatro dias depois, os resultados de uma auditoria do tribunal, que já estava em curso, foram publicados na Folha de S.Paulo. Assim como a declaração, do ministro Paulo Bernardo (Planejamento), de que as recomendações resultantes serão acatadas pelo governo porque "há interesse em haver total transparência" no trato dos recursos públicos destinados às ONGs. Segundo Paulo Bernando, é preciso melhorar os mecanismos de controle desses convênios. "Queremos restringir o acesso de recursos públicos apenas a quem tem condições", disse ele à Folha.
Como as recomendações visam aperfeiçoar o sistema de acompanhamento dos convênios, e não se referem apenas a repasses realizados durante o governo Lula, não servem para o senador. Ele quer pegar petistas.
Petrobras
Sobre a Petrobras, o presidente José Sérgio Gabrielli deu uma entrevista ontem e eu já comentei em nota, hoje, neste blog. Para quem quiser mais informações, vale ler a apresentação feita por ele aos jornalistas na coletiva, publicada no site da empresa, e a nota de esclarecimento à opinião pública, em resposta às matérias de O Globo dos dias 19 e 20 de novembro, divulgada ontem e publicada na seção de notícias do site do PT.
"Em matéria de domingo, 19 de novembro", diz a nota, "de um universo de 1751 projetos sociais patrocinados pela Petrobras, o jornal 'O Globo' selecionou 25 para acusar a Companhia de favorecimento de entidades vinculadas a partidos que apóiam o governo. Na edição de hoje, O Globo afirma que a ABEMI (Associação Brasileira de Engenharia Industrial) mantém contrato com a Petrobras 'sem licitação' para favorecimento de candidatos nas últimas eleições. Afirmação e ilação absolutamente falsas e caluniosas”.
Há muitas informações no esclarecimento, vale a leitura. Por ele vê-se que o mapa desenhado pela Folha de S.Paulo, em sua edição de ontem, para mostrar como o dinheiro sairia da Petrobrás, passaria pela ABEMI e se tornaria doação para campanhas do PT é pura ficção. Simplesmente porque os recursos não são pagos às empresas, vão direto da Abemi para as instituições educacionais que participam do projeto.
Também atacados, os projetos sociais apoiados pela Petrobras atendem diretamente 2,5 milhões de pessoas. São selecionados de forma transparente, em um programa do qual participam entidades como o Canal Futura, a Fundação Roberto Marinho, a Unicef, o Instituto Ethos e a Agência Nacional dos Direitos da Infância. Ao querer jogar suspeição sobre esses projetos, o PFL e certa imprensa cometem o mesmo erro da campanha eleitoral: tentam criminalizar os ativistas que trabalham em seu dia-a-dia para mudar o país, não apenas ligados ao PT mas a todas as organizações não governamentais sérias.
Marco regulatório
Se o senador tivesse seriamente preocupado em aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização da atuação das ONGs, faria propostas em sessões como a realizada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, de acordo com matéria da Carta Maior em 14 de maio, na qual o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) apresentou o projeto “Marco Legal do 3º Setor”. A sessão debateu os propósitos da iniciativa, o diagnóstico sobre a legislação do terceiro setor e as alternativas de melhoria nas normas.
"Para Alexandre Ciconello, da Associação Brasileira de ONGs (Abong), é preciso, sim, harmonizar a legislação das organizações da sociedade civil, mas a prioridade não passa por conceder isenções fiscais à fundações, mas por garantir a liberdade associativa das entidades deste campo, promover a abertura do Estado para o controle social por parte da sociedade civil e aprimorar os mecanismos de controle da gestão de recursos públicos. Desenvolver este conjunto de ações, diz, passa por entender que há uma diversidade tão grande de formas associativas fora do Estado e do mercado que é quase impossível falar em um terceiro setor." Isso está no site da Abong e é uma agenda positiva. Mas não serve às intenções oposicionistas do PFL.
O PFL em busca de uma plataforma
A determinação do senador em pegar petistas não tem como objetivo beneficiar o país. Trata-se somente de uma onda em fabricação para o PFL surfar no próximo ano, tentando, assim, compensar sua falta de rumo, suas disputas internas e o fato de ter sido um dos partidos que mais perdeu cadeiras na Câmara na última eleição. Elegeu 65 deputados, comparados aos 84 de 2002.
Sem entender, ainda, o processo político e de mudanças pelo qual o Brasil passa, o partido quer fazer, no Senado, uma trincheira para manter a pauta de CPIs na agenda. E certa imprensa lhe serve de suporte nessa campanha. Como na minha nota de 13 de novembro, repito aqui: A agenda do país é outra. Reformas, crescimento, investimento em educação. Essas são as questões sobre as quais precisamos nos debruçar. Deixemos o país trabalhar.
PS: vou poupar o senador de discutir a existência ou não da ONG Amigos de Plutão, na qual ele acredita. Já disse tudo o que precisava sobre isso.
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Veja aqui a carta do senador para este blog:
"Meu caro José Dirceu,
Na sua atividade de blogueiro, é seu direito defender as idéias que julgar acertadas. Como ex-colega, no entanto, deveria ter uma melhor compreensão sobre o papel de um parlamentar, sobretudo da Oposição, e jamais colocar-se como quem cerceia a atuação de um deles.
Ao propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o sorvedouro de dinheiro público em que algumas – felizmente, a minoria – das ditas Organizações Não-Governamentais se transformaram, como atesta o Tribunal de Contas da União, estou rigorosamente dentro do que prevê a atividade congressual. Diga-se de passagem, que não fundamentei meu pedido com a já famosa ONG "Amigos de Plutão". Alguns julgam-na apenas uma brincadeira, mas há quem garanta que os amigos de Plutão existem, sim; aguardemos, portanto.
É bom que se diga que quem tentou transformar CPI em moda e trampolim político foi o PT. Com resultados duvidosos, já que alguns dos atingidos pelo seu furor investigatório, este sim, irresponsável, foram até reabilitados, como no caso do ex-deputado Ricardo Fiúza, que lhe mereceu um pedido de desculpas público.
Não sou dado a modismos. E é, sim, item da agenda do país, apurar por onde escoa o dinheiro do contribuinte brasileiro. Isto é ser sério e responsável. Não sou, em absoluto, contra a atuação das ONGs, mas, sim, contra a clandestinidade no uso dos seus recursos. Este é um serviço que qualquer cidadão, e não apenas um parlamentar, deve prestar à Nação.
Com isto, estaremos também preservando aquelas organizações sérias, voltadas ao bem comum, que atuam sobretudo onde o Estado não alcança. Este é o meu objetivo. Espero que seja também o seu.
Se o governo quer impor uma agenda, que use a maioria parlamentar que diz possuir. Convém apenas que ela não seja alcançada pelos mesmos métodos de um passado recente e nem se mostre tão frágil.
Por fim, posso aceitar a sua sugestão para que investiguemos também o Sistema S. Vindo de pessoa tão bem informada e até pouco tempo um dos homens fortes do governo, ela mais me parece um alerta.
cordialmente,
Senador Heráclito Fortes"
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