Um samba popular
Emir Sader
Vozes da imprensa aparecem para atacar-me tentando manchar minha trajetória e minha atuação política e intelectual. Indago: por que eu, de repente, sou projetado à pauta da imprensa? Sempre tratei de pautar minha atividade de forma discreta, pois acredito que o mais importante são as idéias e as possibilidades de diálogo com as forças sociais, políticas e culturais, em defesa de um outro mundo possível.
Indago também: por que o editor de Política da Folha de S. Paulo utiliza dois artigos seguidos sem sequer escutar as pessoas que ataca? Ele, que escreve uma vez por semana, se deu ao trabalho de utilizar a metade dos artigos que publica no mês para tentar me desqualificar, levantando ataques infundados e com linguagem grosseira – no que foi acompanhado por uma colunista do caderno de cidades.
Nenhuma solidariedade diante do processo do presidente do PFL, apenas ataques. Que se voltaram também contra a Boitempo e sua editora, Ivana Jinkings, cujo trabalho editorial é reconhecidamente de alta qualidade, com a publicação de alguns dos melhores autores nacionais e estrangeiros, em meio a um universo completamente comercializado e mercantilizado.
Por que a imprensa opta por essa pauta, quando deveria estar preocupada em fazer um balanço autocrítico da pior cobertura – e a mais violenta – de uma campanha eleitoral? Vendo que as suas “verdades” não foram aceitas pela maioria, por que não abre um período de reflexão e de debate para compreender os motivos que levaram os leitores a se apoiarem na mídia alternativa?
Uma parte importante da resposta a essas interrogações certamente pode ser encontrada na constatação evidente de que ela perdeu a capacidade que julgava ter de “fabricar consensos” – na expressão de Chomski –, definindo a pauta sobre o que o país deve discutir, decidindo a versão e elegendo os bons e os maus em cada tema.
No lugar de uma justa cobertura, optou por reviver um anacrônico lacerdismo, com insinuações golpistas, ecoando a exortação de que estava na hora de o poder voltar às mãos tucano-pefelistas antes mesmo do sufrágio popular, no pior estilo da imprensa que preparou a opinião pública para o golpe militar.
E incomodam, sobretudo, as manifestações de apoio que recebemos – não pessoalmente, mas como vítima daquele processo –, a ponto de que os artigos mencionam o manifesto, mas o jornal, reiterando a linha de editorializar todo o noticiário, nunca o publicou ou se referiu à extensão desse apoio – chega a 15 mil assinaturas – ou ao peso dos que o assinam.
Fosse pela Folha, os seus leitores não saberiam que manifestaram sua solidariedade pessoas como Antonio Candido, Chico Buarque, Luis Fernando Veríssimo, Francisco de Oliveira, Eduardo Galeano, Perry Anderson, István Mészáros, Leonardo Boff, entre tantos outros.
Ao que tudo indica, incomoda que um personagem a quem querem desqualificar com linguagem indigna de qualquer debate de idéias receba solidariedade tão ampla e qualificada, enquanto os articulistas têm de se limitar a extremismos verbais e a carreiras sem nenhuma presença intelectual, com artigos descartáveis.
O mais importante é que algo novo acontece no Brasil, e os setores conservadores resistem a aceitar. Não possuem mais o monopólio do discurso e agora tem de dividir o espaço com a imprensa crítica, como Carta Capital, Carta Maior, Brasil de Fato, Caros Amigos e tantas outras publicações que formam o público-leitor, assim como vários blogs que trabalham nessa mesma direção.
Ataques pessoais fazem parte dessas tentativas de desqualificação, para tentar mostrar que não haveria nenhum comportamento possível que não o da submissão aos interesses criados, que fizeram do Brasil o campeão mundial da desigualdade. A existência de um pensamento que sustenta esse quadro social somente será abalada com transformações que atinjam os privilégios seculares dos setores protegidos pela mídia oligopolista.
O processo e o ataque desses setores embutem um recado: todos os que mantiverem o pensamento crítico e autônomo podem sofrer pesadas conseqüências, da desqualificação à perda do cargo obtido por concurso e mesmo à prisão. É um recado também para a universidade pública: silenciem!
Os esclarecimentos das acusações feitas por essa nova direita – com cheiro claramente bushista, de pensamento único – podem ser encontrados na página do projeto Outro Brasil.
Os chacais – como os chamava Julio Cortázar – seguirão atacando, mas a caravana passa, com a força do povo, e seguirá adiante, construindo um novo país e um outro mundo possível, com a força do pensamento crítico, das forças sociais, políticas e culturais comprometidas com um Brasil e um mundo livres das oligarquias e do monopólio do dinheiro, das armas e da palavra.
A caravana passa, com a força do povo, e segue adiante, fortalecida com as belíssimas vitórias conseguidas, apoiada na massa pobre da população que nunca acreditou nessa mídia, que nunca vacilou na sua decisão de apoiar a construção de um Brasil melhor, mais humano, solidário e democrático. Apoiada na altivez e na dignidade da intelectualidade crítica e independente, que acredita na força das idéias e na força do povo. Já está passando, “nesta avenida, um samba popular”.
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