A manchete deste domingo revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.
(Gilson Caroni Filho, para a Agência Carta Maior)
Que não existem manchetes inocentes todos sabemos. A da primeira página da Folha de S.Paulo de domingo, 2/12/2007 ("65% rejeitam 3º mandato para Lula"), além de não ser exceção, tem dois méritos: revela a pretensão do jornal paulista em distorcer fatos e números de acordo com seus sagrados desígnios, além de evidenciar o papel da grande imprensa como elemento central das articulações das forças conservadoras.
O editorial ("Mania de mudança") justifica o expediente ilusionista da capa. Trata-se de "dar por encerrado o capítulo das grandes reformas que envolvem ciclos eleitorais. O apaziguamento dos partidos a esse respeito é passo crucial para que instituições mais específicas da política, como a fidelidade partidária e o sistema de voto, possam ser aperfeiçoados". Belas palavras para um exercício tão pobre de tergiversação.
Não consta que o governo Lula tenha qualquer vocação autocrática, como gostam de afirmar seus detratores. E muito menos que os processos em curso na América Latina apontem para autocracias. É bom lembrar ao desavisados que o antônimo de oligarquia não é tirania. E as reformas no país venezuelano não significam ditadura à vista.
Confundir, deliberadamente, proposição de um parlamentar para que o presidente possa convocar plebiscitos com aspiração a terceiro mandato faz parte da estratégia política de um projeto derrotado nas urnas. Sem projeto alternativo, vive na lógica enviesada dos factóides que redações prestimosas logo inserem na pauta das discussões políticas. Mas o que título oculta? Na página A-4, é revelado que para 63% dos entrevistados nenhum presidente deve ter esse direito. "O percentual sobe para 66% quando se trata de governadores e vai a 67% no caso de prefeitos". A rejeição a um terceiro mandato não é, portanto, exclusividade do presidente, como é sugerido na esmerada capa.
Se o que define uma manchete é seu caráter remissivo ao que há de mais importante dentre as notícias contidas numa edição, os editores da Folha, numa hipótese tão ingênua quanto remota, não conhecem o ofício.
Se aceitarmos que todo procedimento que falseia a realidade é de ordem ideológica, precisamos folhear o diário da família Frias para chegarmos ao que se busca ocultar. Somente na décima segunda página descobrimos o que produziu o conteúdo estampado na vitrine do produto: em relação à pesquisa anterior, houve uma oscilação positiva de dois pontos percentuais na avaliação do governo. E, fato crucial para redatores zelosos do seu dever de classe, "a aprovação do governo subiu na região Sudeste, entre brasileiros que integram famílias com renda acima de dez salários mínimos, e os que vivem em capitais, e também os mais escolarizados". Ou seja, o aumento de popularidade de Lula também se dá no universo dos leitores da Folha. Um baque para os combatentes Clóvis Rossi, Eliane Catanhêde e Josias de Souza, entre tantos outros.
Como ficam os analistas políticos que, na última pesquisa do Ibope, afirmavam que a oscilação negativa, dentro da margem de erro, sinalizava para uma inequívoca tendência de perda de popularidade do governo? O que tem a dizer, agora, a distinta Lúcia Hipólito, uma das mais falantes "meninas do Jô"? São "momentos dramáticos" para jornalistas e acadêmicos de inclinação tucana.
A pesquisa sai quando soa o alarme para os jornalões. Há movimentos significativos na superfície na política econômica do governo. Já se fala em redução do superávit primário, queda nos juros e intervenção no câmbio. São coisas intragáveis para colunistas que tanto exaltam as virtudes de arrocho fiscal e choque de gestão.
No mais, o que o Datafolha revela quanto a intenções de voto para 2010, é absolutamente previsível. Que os nomes que disputaram a última eleição presidencial fossem mais lembrados não é surpresa. Isso explica a liderança de Serra e, principalmente, o fato de as intenções de voto em Heloísa Helena serem quase o triplo do percentual alcançado por ela no ano passado. Mas seria interessante, do ponto de vista metodológico, incluir Lula em um dos cenários. Apenas como exercício projetivo. E se ele ficasse à frente do governador paulista, como se sustentaria a manchete dominical?
Estamos diante de uma primeira página emblemática. Expôs disputa entre as frações do PIG. Mostrando uma insuspeita desenvoltura, a Folha rebolou em trajes íntimos, alcançando a pole dance do cabaré demo-tucano. Não demora muito e o Globo a desbanca. É uma questão de tempo.
terça-feira, dezembro 04, 2007
O strip-tease da Folha de S.Paulo
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