domingo, novembro 25, 2007

Entrevista com FHC

(Por Eduardo Guimarães, em seu blog Cidadania)

Se o Brasil tivesse uma grande imprensa em vez de um grande partido político, FHC estaria em maus lençóis. Digamos que vivêssemos na Finlândia ou na Bélgica, por exemplo. Se assim fosse, o ex-presidente teria que responder a questões que não saberia como. Contudo, ele está no Brasil, um país que não tem imprensa.

Assim sendo, como a grande imprensa não entrevista FHC da forma como deveria, o blog Cidadania o entrevistou. Acompanhem, a seguir, o resultado dessa conversa.

Blog Cidadania: O sr. diz que o Brasil cresce pouco, mas, quando o sr. foi presidente, crescia ainda menos do que hoje. O Sr. não está criticando o governo Lula por não fazer o que o seu governo também não fez?

FHC: Naquele tempo, havia crises econômicas mundiais, por isso o país não cresceu. Hoje, o mundo inteiro está crescendo e o Brasil, não.

BC: O Sr. está dizendo que, durante seus oito anos de governo, ninguém cresceu em parte nenhuma do mundo por causa de uma crise econômica "mundial"?

FHC: As crises do México, da Ásia, da Rússia, todas atrapalharam muito. A Argentina teve problemas muito piores do que os nossos...

BC: Mas esses problemas não foram de todos, "presidente". O Chile, por exemplo, vem crescendo, desde aquela época, a taxas expressivas. O baixo crescimento "mundial" do seu período no governo não atingiu apenas os países que tinham políticas cambiais consideradas "perigosas" por serem irreais?

FHC: Na verdade, nós tínhamos essa percepção de que era preciso desvalorizar o real, mas esperávamos uma boa oportunidade que, na nossa visão, não surgiu antes do ataque especulativo de janeiro de 1999.

BC: Foi bom o sr. ter tocado nesse ponto, "presidente", porque essa é, justamente, a próxima pergunta, sobre a desvalorização do real. Durante a campanha eleitoral de 1998, a oposição ao seu governo, encabeçada pelo PT, dizia que era preciso desvalorizar o real, mas o sr. disse, em montes de peças publicitárias de sua campanha naquele ano, que era desnecessário desvalorizar a moeda, e que se Lula vencesse a eleição, seria ele que desvalorizaria a moeda. Contudo, o sr. acaba de me dizer que o sr. esperava momento propício para desvalorizá-la. Afinal, qual é a verdade, o sr. tinha percepção de que era preciso desvalorizar o real ou não tinha?

FHC: Nós tínhamos a convicção de que era preciso desvalorizar o real em algum momento, mas não achávamos que era naquele momento da eleição.

BC: Mas a desvalorização veio de qualquer forma, nem dois meses depois que o sr. se reelegeu. Isso não prova que quando o PT dizia, durante a campanha eleitoral de 1998, que era preciso desvalorizar o real, ele estava certo e o sr. errado?

FHC: Ah, mas o PT não dizia isso porque acreditava no que dizia. Falava apenas para criar pânico. O PT apostava no quanto pior, melhor. Não era como a oposição que lhe fazemos hoje, responsável, propositiva.

BC: O sr. entende por "oposição responsável" o sr. e seu partido tentarem tirar do governo do PT um imposto que o sr. criou e transformou de "provisório" em "permanente", que é a CPMF?

FHC: Os tempos mudaram. Não há mais crise econômica. E o dinheiro da CPMF, meu sucessor usa para outras finalidades que não a Saúde, para a qual o imposto foi criado.

BC: Mas "presidente", uma das principais queixas da então oposição petista ao seu governo era a de que o dinheiro da CPMF não era usado na Saúde. Não lhe parece que o apoio ou o repúdio à cobrança de impostos depende apenas de aquele que critica ou apóia essa cobrança estar no governo ou na oposição? Será que tanto o sr. quanto o PT não eram - e ainda são - movidos muito mais pela conjuntura política do que pelo interesse público?

FHC: É que no tempo em que eu governava havia uma crise mundial, nós precisávamos da CMPF por causa da baixa arrecadação gerada pela crise.

BC: O sr. e seu partido têm criticado contundentemente o que a mídia chamou de "apagão aéreo". Essa seria a contrapartida petista ao apagão de energia elétrica ocorrido em seu governo?

FHC: O apagão aéreo é resultado da mais pura incompetência do PT; a escassez de energia elétrica durante meu governo, que nos obrigou a racioná-la, deveu-se às muitas crises econômicas mundiais, como a do México, em 1995, a crise asiática, em 1997 e 1998 e a crise russa, em 1998 e 1999.

BC: Voltando às crises "mundiais", os países envolvidos nelas - e muitos não foram afetados por elas - não eram justamente os que tinham o mesmo problema de câmbio irreal que tinha o Brasil?

FHC: Eram países muito diferentes entre si os que foram afetados pelas crises da década de 1990. O câmbio era só um detalhe, os problemas eram mundiais.

BC: Então como o sr. explica os muitos países, inclusive do Terceiro Mundo, que não foram afetados pelas crises que o sr. diz mundiais e que, em comum, tinham políticas cambiais livres?

FHC: A crise era mundial, era mundial, não vejo essa relação entre políticas cambiais que você afirma. Você só falou do Chile...

BC: Posso dar um outro exemplo: não foi justamente naqueles anos de "crise" que a economia chinesa cresceu exponencialmente e se consolidou como uma das maiores do mundo?

FHC: A China também não serve como exemplo, porque lá vigia o trabalho escravo. O trabalhador chinês ganha misérias.

BC: O sr. afirma que pagar misérias ao trabalhador foi o que gerou o crescimento econômico espantoso da China? Mas o peso dos salários no orçamento de uma empresa brasileira é um dos menores do mundo.

FHC: É que aqui temos outros problemas, como a Previdência, por exemplo.

BC: Mas o sr. tinha maioria no Congresso. Conseguiu facilmente aprovar a emenda constitucional que lhe permitiu candidatar-se à reeleição. Por que não aprovou uma reforma da Previdência?

FHC: É que a mudança na Constituição que permitiu aos prefeitos, governadores e presidentes disputarem a reeleição, foi uma mudança política. Mudanças econômicas eram mais difíceis de aprovar numa época em que o mundo estava em crise econômica.

BC: O sr. diz que o PT copiou seus programas sociais, mas em 2008 o governo federal irá destinar R$ 16,5 bilhões para projetos sociais como o Bolsa Família, que uniu as várias bolsas que seu governo pagava, mas que está investindo neles pelo menos umas cinco vezes mais do que o seu governo investia. Além disso, foram criados programas adicionais como o Prouni, que está permitindo a jovens pobres ingressarem no ensino superior como nunca havia acontecido antes no Brasil.

FHC: Você tem que entender que hoje há muito mais dinheiro para investir. Na minha época, o mundo estava em crise econômica, mas foi graças ao que EU plantei que o PT agora tem tanto dinheiro para investir em programas sociais.

BC: Mas durante seu segundo mandato, "presidente", o Brasil mergulhou numa crise enorme. A inflação disparou, o risco-país explodiu, o desemprego explodiu, a violência explodiu. Sua política cambial era irreal e gerava medo dos investidores externos de colocarem dinheiro no Brasil e obrigava o governo a aumentar exponencialmente os juros (seu governo chegou a pagar uma taxa Selic de 25%) para atrair ou manter dólares no país. Só na crise cambial de 1999, seu governo fez empréstimos externos da ordem de mais de 40 bilhões de dólares. Quais foram os benefícios que seu governo legou ao atual?

FHC: Meu governo acabou com a inflação, por exemplo.

BC: Mas a taxa de inflação de seu último ano de governo, por exemplo, ficou na casa dos dois dígitos, e o dólar chegou a R$4. Além disso, o plano Real não passou de uma variação de outros planos que foram implantados por toda América Latina, tendo sido o primeiro país a adotar a âncora cambial, a Bolívia.

FHC: Ah, inflação maior, fuga de divisas, tudo foi culpa do Lula. O mercado tinha medo dele. Por isso houve um ataque especulativo em 2002.

BC: Em 1999, em 2000 e em 2001 a culpa pela fuga de divisas, pelo desemprego e pela inflação em alta também foram do Lula, "presidente"? Porque nesses anos a inflação foi subindo, o desemprego aumentando... Além disso, se o seu governo tivesse realmente construído bons fundamentos econômicos, não seria o caso de o país ter resistido às incertezas geradas pela provável vitória de Lula em 2002?

FHC: É que em 2002 havia a crise argentina...

BC: Uma crise decorrente de um modelo cambial similar àquele que produziu a quebra do Brasil em 1999, não é?

FHC: O Brasil não "quebrou" em 1999. Tanto que recebemos empréstimos de dezenas de bilhões de dólares dos EUA e do FMI.

BC: Empréstimos que o atual governo pagou, não é?

FHC: Graças ao meu governo...

BC: Sei... Bem, o sr. tem dito que seria "golpe" o presidente Lula disputar um terceiro mandato e o acusa de pretender mudar a Constituição de forma que ela passe a permitir que presidentes possam disputar quantos mandatos quiserem. Mas o sr. não propôs mudança do texto constitucional que lhe permitiu disputar a reeleição? Tal proposta também não foi "golpista"?

FHC: Não fui eu que propus a emenda da reeleição, foi o Congresso.

BC: Foram seus aliados no Congresso... Aliás, dizem que seu ministro das comunicações Sergio Mota aliciou parlamentares (financeiramente) para que votassem a favor da mudança à Constituição. Surgiu até um caso de quatro deputados do Acre...

FHC: Essa é uma calúnia abjeta. Você veja que a emenda da reeleição passou no Congresso com uma margem de superioridade enorme. Eu não precisaria dos votos de alguns deputados que disseram que se venderam para votar a favor da emenda.

BC: "Presidente", esse é o argumento do governo Lula para dizer que não teria sentido pagar mensalão para os poucos deputados que teriam recebido dinheiro para votar de acordo com o governo. E os que foram identificados, foram poucos também, como no caso dos acusados de terem sido pagos para votar a favor da reeleição.

FHC: A diferença é que no meu caso, é verdade.

BC: Sobre corrupção, "presidente", o sr. e seu partido têm sido extremamente duros com o governo do seu sucessor. O PSDB exigiu, no Congresso, várias CPIs e conseguiu todas. Contudo, quando o sr. estava no governo, sua base de apoio conseguiu impedir a grande maioria das investigações parlamentares. Teve a CPI da corrupção, que não saiu, a da compra de votos da reeleição e várias outras. Hoje, porém, os sr. alega que quem não deve não deveria temer investigações. Não é uma contradição?

FHC: No meu tempo, o PT pedia CPIs para transformá-las em palanques políticos. E quem rejeitava as CPIs era o Congresso, não eu. Além do que, os escândalos petistas estão cheios de provas.

BC: É exatamente isso o que diz o presidente Lula, sobre a oposição querer fazer das CPIs palanques políticos. Mas posso dizer que ao menos no caso da CPI da compra de votos, as provas eram extremamente consistentes. Deputados foram flagrados em escuta telefônica dizendo que seu ex-ministro das Comunicações havia pago 200 mil reais a cada um para votarem a favor da emenda da reeleição.

FHC: Então eu respondo que quem barrou as CPIs no Congresso, quando eu governava, não fui eu, foi o Congresso.

BC: Foi sua base aliada no Congresso...

FHC: Eu não controlava a decisão dos parlamentares.

BC: O presidente Lula controla, "presidente"?

FHC: Isso você tem que perguntar a ele.

BC: Ok, "presidente", agradeço pela entrevista.

FHC: Não há de que.


Bem, o que vocês acharam? Parece mesmo uma entrevista com FHC, não? E é, de alguma forma, pois as respostas dele que vocês viram aqui, são exatamente as que ele vem dando no decorrer dos anos. Juntá-las todas requereu pesquisa na internet e aos meus arquivos particulares. Mas, quem tiver paciência, pode verificar que tudo aquilo que escrevi como se tivesse sido dito pelo ex-presidente, ele realmente disse em algum momento. Só tive que juntar declarações esparsas.

Agora, vocês já imaginaram se alguém de notoriedade na imprensa tivesse coragem de fazer uma entrevista desse tipo com FHC? Infelizmente, jornalistas famosos, que teriam acesso ao ex-presidente, não ousariam questioná-lo dessa forma. Assim, enquanto os jornalistas com meios de conseguir uma entrevista com ele não cumprem sua obrigação, fiquem com minha entrevista imaginária, que, de imaginária, só tem o fato de que não foi feita. Mas poderia ter sido, não é? Estou certo de que o resultado seria o que vocês acabam de ver.


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