Acreditar. E vencer.
Há muitos anos atrás, quando eu ainda era aluna do Logos e nem sonhava em tomar os caminhos que depois surgiram na minha vida, minha mãe veio me contar que meu pai tinha sido convidado para ir à Ilha de Caras com todos nós. E que tinha dito não. Eu fiquei um pouco desapontada, não porque seja fã de tal revista, mas porque imaginava a mordomia e os brindes que poderia conseguir com uns dias naquele paraíso. Quando meu pai chegou de Brasília e eu perguntei o porquê da recusa ele foi taxativo: jamais iria participar de tal ambiente, jamais iria conseguir relaxar no meio de tanto esbanjamento de luxo e dinheiro e não ia deixar que ficassem fotografando a hora dele nadar, comer, ir ao banheiro. Pouco tempo depois encontramos aqui em casa uma caixa, pro meu pai, com um tubinho todo chique, com um convite dentro: era para a festa de lançamento da novela "O Clone", que já tinha acontecido há alguns dias. Novamente indaguei ao meu pai para saber porquê ele não tinha ido (e me levado junto) e a resposta foi bem parecida: não quero estar no meio de uma festa que não significa nada para mim. E ponto.
Durante todos estes anos em que esteve na política, nos altos e baixos, meu pai nunca mostrou qualquer mínimo sentimento de ambição e de ilusão com o poder. Nunca se deixou maravilhar por este mundo das revistas sociais e das ocasiões de luxo e glamour. Nunca teve nem aquela ambição do tipo Odette Roitman, nem aquela pequena, ínfima, que todo mundo tem, de querer ter algumas coisinhas nas nossas vidas. Ele nunca teve isso porque para ele não era o que o movia, não era o que dava sentido à sua vida, à sua história, à sua luta.
O que sempre moveu meu pai foi um sentimento amplo, único, de trabalhar para um bem maior, para algo que pudesse de verdade "melhorar a vida das pessoas", esta era a frase que a gente mais ouvia. Ele sempre me dizia que, desde a época da ditadura, o que sempre deu força para seguir lutando, seguir vivendo, seguir sonhando, era esta certeza de que com a sua luta, seus ideais, as coisas poderiam melhorar, poderiam ser diferentes. E que certamente um dia seriam.
Muito tempo se passou e recebemos esta semana a dura notícia de que meu pai, meu Genoino pai, vai ser processado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Durante todo este processo, ele nunca teve muita dúvida de que iria ser condenado pelo STF; ele me dizia: "a mídia não vai deixar eu não ser indiciado...". E assim foi. Tivemos que ler barbaridades, tivemos que agüentar monstruosidades, tivemos que ouvir frases sem lógica como, "é, não tem mesmo provas contundentes para ser condenado, mas vou indiciar...". Que mundo é esse em que mesmo sem provas, uma pessoa é processada por um crime que jamais cometeu?
Desde então temos recebido alguns importantes telefonemas de apoio, de solidariedade, mas também temos recebido telefonemas da nossa velha amiga imprensa. Aquela mesma imprensa que condenou meu pai pelos "dólares na cueca" e depois, quando meu tio foi absolvido, colocou apenas uma nota de rodapé. A mesma imprensa que depois do meu pai ter sido sempre o interlocutor mais fiel, escrevia absurdos nos jornais sem nem ao mesmo realizar um telefonema para checar antes... Esta mesma imprensa que nos fez passar por tudo, desde mobilizar uma multidão na porta da nossa casa para nos xingar, até escrever que meus pais tinham ido ao meu casamento na Espanha com dinheiro do Marcos Valério - não foram capazes de perguntar antes na companhia aérea sobre as 10 parcelas que minha mãe pagou para que eles pudessem estar comigo naquele momento.
Eu nunca serei contra a liberdade de imprensa. Nem eu, nem meus pais, que lutaram, sofreram, foram presos e torturados por defender a liberdade que a ditadura esmagou. Mas não posso ser a favor de ir de um extremo ao outro... Saímos das notícias falsas do regime militar e a omissão sobre os fatos, ao vale tudo da imprensa, que hoje em dia parece conversa de vizinha: ouviram um rumor, já está lá publicado. Sofro com tudo isso porque é a mesma injustiça que, na volta da minha lua-de-mel, fez com que eu fosse deportada: não importam os fatos, não vou checar nada porque eu mesma já decidi que o que você está dizendo é mentira. E o mais triste não é nem isso, alguém ser assim de injusto; o pior é ver um monte de outras pessoas acreditando e se deixando levar pelo movimento.
O que percebo é que as pessoas não são mais inocentes até que se prove o contrário. Estão tratando a todos como se fossem culpados até que se prove o contrário.
Tudo isso me fez lembrar uma passagem do livro "O nome da morte", de Kléster Cavalcanti, que conta a história de um matador de aluguel que por acaso foi quem deu um tiro no meu pai e o prendeu no Araguaia. Quando tudo aconteceu, ele era apenas um jovem de 17 anos que não queria fazer mal a ninguém. E lá foram dizer a ele, para convencê-lo a realizar o tal serviço, de que ele estava ajudando a combater os comunistas terroristas e assim ajudando ao progresso do Brasil. E o tal matador acreditou. Tanto tempo se passou desde esta história, mas parece que muita coisa continua igual... "Eles são corruptos e formaram uma quadrilha!" e um monte de gente vai lá, acredita, se revolta e ainda reclama da demora da justiça, porquê vai demorar tanto tempo para eles serem condenados???? Já existiram tempos em que tudo era mais rápido não é mesmo?
Tudo isso parece um inferno, parece um calvário, mas se querem saber algo, nós não vamos desistir. Acho que a história da minha família é essa, derrubar para dar a volta por cima e vencer, vencer todos os desafios. Nós vamos vencer mais este desafio, vamos lutar até o fim para provar a inocência do meu pai, vamos lutar até o fim para que todos possam perceber que meu pai pode até ter cometido alguns erros políticos, mas que nunca, jamais, cometeu qualquer ação criminal. Jamais.
São muitos os sentimentos que me invadem neste momento porque estou já me despedindo do meu país para voltar para minha casa, que é Sevilha. E o que mais dói dentro de mim é que vou magoada com este meu Brasil, decepcionada com as pessoas, descrente com o que estamos criando por aqui... Espero algum dia conseguir perdoar ou ao menos entender tudo isso... São tantas contradições! Hoje recebi um e-mail amigo com uma defesa ao meu pai feita por um deputado de um partido da oposição, enquanto muitos do próprio PT, muitos amigos de esquerda, parecem hoje ter vergonha de conhecer meu pai, nossa família, de apóia-lo e defendê-lo. De defender a sua história, a sua luta, a sua verdade. Eu não me preocupo porque sei que pra todo mundo chega o momento de pensar, de avaliar, de prestar contas dos seus atos perante uma força maior, seja a força que for, interna, humana, coletiva, divina.
Não vamos desistir. Não vamos desistir, não vamos nos envergonhar e não vamos fraquejar. Nossa união sempre se mostrou imbatível e é ela que vai nos ajudar a vencer tudo isso e a provar que sim, os anos passaram, mas meu pai nunca deixou de ser aquele ser humano determinado, verdadeiro e íntegro, que nos momentos "em alta" não se deixou iludir pelas ilhas de caras da vida e por isso não vai ser agora, um pouco em baixa, que vai se deixar levar pelo mar de injustiça e desrespeito. Ele é maior que tudo isso, eu sei. E nós também, algum dia, seremos.
Miruna Kayano Genoino - agosto de 2007
terça-feira, setembro 04, 2007
Carta da filha de José Genoíno
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