Depois de 13 anos em Nova York, fiquei três trabalhando no Rio de Janeiro e voltei a Nova York para mais três anos de atuação como correspondente.
Só mais recentemente estive envolvido de perto com a cobertura da política brasileira.
Na minha opinião, tem sido um espetáculo da aplicação de dois pesos e duas medidas:
CARA: O candidato a governador de Pernambuco, Humberto Costa, do PT, foi denunciado pelo Ministério Público na semana do primeiro turno das eleições de 2006, notícia amplamente divulgada. Ficou em terceiro lugar.
COROA: O mesmo indiciamento incluiu Platão Fischer Puhler, homem de confiança do candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra. O relatório da Polícia Federal que serviu de base à denúncia concluiu que uma quadrilha atuava na comercialização de hemoderivados no Ministério da Saúde desde que Serra era ministro no governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Era a Máfia dos Vampiros. A notícia sobre Platão praticamente sumiu do mapa. Serra foi eleito com ampla margem de votos.
CARA: Freud Godoy, apresentado ao público como o churrasqueiro do presidente Lula, foi à Polícia Federal diante de um batalhão de repórteres - eu estava entre eles - como suspeito de ter participado da operação de compra de um dossiê que demonstraria o envolvimento do candidato ao governo de São Paulo, José Serra, com a máfia das ambulâncias. Faltavam alguns dias para o primeiro turno das eleições presidenciais. Nada ficou provado contra Freud.
COROA: Abel Pereira, acusado de atuar como intermediário do PSDB nos negócios envolvendo o ministério da Saúde de José Serra com a máfia das ambulâncias, não foi chamado a depor com o mesmo alarde e em período pré-eleitoral. Investigada durante o governo Lula, a máfia das ambulâncias começou a atuar "no governo anterior", o do PSDB.
CARA: O delegado Edmilson Bruno, da Polícia Federal, vaza fotos na antevéspera do primeiro turno da eleição que são divulgadas com grande destaque pela mídia.
COROA: Os indícios de que o delegado pode ter feito a "arquitetura" do dinheiro com objetivos cenográficos não merecem uma linha em jornal, rádio ou televisão.
CARA: A operação da Polícia Federal que teve maior repercussão no governo de Fernando Henrique Cardoso foi aquela que levou à descoberta de dinheiro num escritório ligado a Roseana Sarney, então possível candidata do PFL à presidência da República. A operação eliminou a candidatura de Roseana e deixou o campo livre para a candidatura de José Serra, do PSDB.
COROA: Operações da Polícia Federal durante o governo Lula investigaram o contrabando na Daslu, a fraude fiscal na Schincariol, resultaram na prisão de autoridades do próprio governo, de delegados da Polícia Federal e da polícia civil, na acusação a deputados e senadores e levaram ao afastamento de um ministro de Estado.
CARA: O valerioduto resultou na cassação de José Dirceu, do PT, depois de uma cobertura que consumiu toneladas de papel e um gigantesco arquivo de reportagens de rádio e televisão. Participei marginalmente da cobertura, denunciando um esquema de caixa 2 do PT em Goiás. Mas, quando o assunto chegou à CPI dos Correios, morreu depois que o principal acusado revelou que havia feito doações para quase todos os partidos. As doações não aparecem nas declarações dos partidos e candidatos à Justiça Eleitoral.
COROA: O ex-presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, que participou do parto do valerioduto, não só escapou de qualquer tipo de punição como não foi investigado pela mídia com o mesmo ímpeto dedicado a José Dirceu. Azeredo continua exercendo um papel de destaque na bancada do partido no Congresso.
CARA: Quatro CPIs foram criadas especificamente para investigar ações do governo, com ampla cobertura da mídia, transmissão ao vivo pela TV e cobranças diárias de colunistas e comentaristas políticos.
COROA: Nenhuma CPI para investigar denúncias específicas contra governos do PSDB em São Paulo foi criada desde Geraldo Alckmin, do PSDB, embora haja denúncias consistentes sobre a distribuição de verbas publicitárias da Nossa Caixa para a mídia "amiga" e um rombo considerável na CDHU. Nem os comentaristas, nem os articulistas
regionais se empenham em cobrar as CPIs com o mesmo vigor. A energia e os recursos dedicados pela mídia a esses assuntos é, por comparação, mínimo - e praticamente inexistiu no período pré-eleitoral, quando a investigação poderia prejudicar tanto Geraldo Alckmin quanto José Serra.
CARA: Renan Calheiros foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Os negócios dele com o gado passaram batidos. Presidente do Congresso e articulador da coalizão governista, Renan é acusado de ter tido as despesas com a manutenção da amante jornalista e de uma filha fora do casamento por um lobista de uma empreiteira. Curiosamente, em 1989 o então candidato Lula teve seu caso com a enfermeira Miriam Cordeiro revelado às vésperas da eleição. Uma entrevista com Miriam, gravada pela equipe de campanha do candidato Fernando Collor, foi ao ar também no Jornal Nacional, acusando Lulanão só de ter sugerido o aborto da filha Lurian mas também de ter feito manifestações racistas quando via atores negros na televisão.
COROA: Embora a mídia saiba do filho do ex-presidente FHC com uma jornalista da Globo, o fato não só nunca foi divulgado pela grande mídia brasileira como nunca se perguntou ao político como foram sustentados a mãe e o filho no Exterior. O filho de FHC e as circunstâncias em que ele e a jornalista foram "escondidos" são a maior não-notícia da História recente da mídia brasileira.
CARA: Quando cobri o apagão elétrico, que afetou a todos os brasileiros, no governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, a ênfase era numa campanha cívica para convencer a população de que cabia a cada um colaborar.
COROA: O apagão aéreo é caos. Falta de planejamento. Culpa do governo. Pouquíssimas menções são feitas ao sistema de hubs implantado pelo duopólio TAM/Gol - que concentra muitos vôos em poucos aeroportos - e ao espetacular crescimento na venda de passagens aéreas.
Qual é a minha conclusão?
O governo pode ser ruim, mas é melhor do que a mídia mostra. Apesar da decepção causada aos eleitores do próprio PT e de ter adotado uma política econômica conservadora, Lula ameaça a hegemonia daqueles que se deram bem com a privataria, é vítima de ódio de classe e desprezado pela elite branca dos Jardins paulistanos e da faixa de terra que vai de Copacabana ao Leblon, no Rio de Janeiro.
Os ressentidos querem mais estado - para bancar os Jogos Panamericanos, levantar empresas falidas e financiar com juros baixos a conversão para o sistema de TV digital - e menos estado - para reduzir a carga tributária, cortar as "migalhas" do Bolsa Família e colocar no ar todo o lixo que quiserem, quando quiserem, desde que dê audiência.
Os muitos defeitos do governo Lula são amplificados e as conquistas são diminuídas com a estratégia de dizer que "poderia ser melhor", "na Índia é melhor", "na China é diferente", "vejam só como é na Rússia" e assim por diante.
Mas essas mesmas comparações não valem quando revelam que "na Suécia não só tem classificação indicativa, como há limite para anúncios durante a programação infantil".
Quando o governo brasileiro tenta regulamentar o assunto, é "censura prévia". Quando autoridades britânicas multam pesadamente emissoras públicas e privadas de tevê por desvios de conduta, a notícia nem sai no Brasil.
Não há conspiração da mídia contra o governo. Não é preciso. É só deixar rolar os interesses de classe.
Publicado por Luiz Carlos Azenha, em 15 de julho de 2007, no seu site Vi o Mundo.
quarta-feira, julho 18, 2007
Cara e Coroa
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Um comentário:
Pizza
pizza
pizza
pizza
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Os ladrões se locupletam e nós ficam na pizza...
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