Por Luis Nassif
A pesquisa indicando Lula o melhor presidente da história é uma boa amostra da falta de sintonia ampla entre o dito conhecimento culto e a percepção popular.
Uma das características mais marcantes em períodos de liberalização financeira internacional é a tentativa de terceirizar a política para os mercados. Não é de agora. A Pax Britânica, no século 19, baseou-se nesse princípio. O chamado mercado desenvolveu um conjunto de ferramentas de pressão para manter a economia sob controle apenas no ponto que interessa ao credor: a capacidade de solvência do devedor.
Não interessam as ditaduras, embora enalteçam ditadores que seguiram a cartilha, mesmo os sanguinários. Mas as ditaduras dependem exclusivamente dos humores do ditador. Por isso mesmo, a democracia é o ambiente ideal, desde que não submetida aos primados da política.
É evidente que a classe política não prima pelas virtudes, ainda mais no modelo brasileiro. Grande parte dos políticos batalha por interesses específicos, setoriais ou pessoais. Em cima desses defeitos, cria-se uma caricatura de toda atividade política, que acaba engolfando especialmente as decisões que implicam em transferir parte do bolo orçamentário para fora do circuito financeiro. Qualquer medida nessa direção torna-se “populismo”, induz à “farra fiscal”, significa a volta do atraso.
No entanto, os grandes saltos nacionais ocorreram quando a política conseguiu se impor sobre o mercado. A entrada do Brasil na era moderna deu-se através de dois episódios significativos. O primeiro, a Constituinte de 1988. Evidente que, como todo fruto de acordos, tem muitos defeitos. Mas foi ela que consagrou as verbas vinculadas para educação, instituiu o SUS, garantiu melhor repartição do bolo tributário, abriu as bases para um novo federalismo.
Dia desses conversava com Maurício Botelho, da Embraer, que me contava os incentivos dados por estados e condados americanos para a implantação de novas empresas. Em um determinado condado, a municipalidade garantia US$ 20 dos US$ 35 milhões previstos, por que a obra garantiria 400 empregos de alto nível para a cidade.
Essa disputa por investimentos é mundial. Aqui no Brasil, quem praticou política industrial na última década foram os estados. E sua iniciativa foi pichada como “guerra fiscal irresponsável”.
Voltemos a Lula. Errou clamorosamente na política monetária de Palocci e Meirelles, ao permitir a reapreciação do câmbio, o aborto do suspiro de crescimento de 2004, plantado pela crise cambial de 2002. Mas teve a intuição para apoiar e dar escala aos movimentos de inclusão social. Quando criou as diversas secretarias de inclusão, foi torpedeado pelo tal do mercado. O governo era irracional, seria atropelado pelas demandas sociais. No entanto, foi a intuição do político que permitiu conferir-se escala à Bolsa Família, depois do início desastroso do Fome Zero. E a Bolsa Família é o que os analistas chamam de "fator portador de futuro", um marco na história das políticas sociais brasileiras, com o mesmo efeito para o futuro que teve a vinculação das verbas para educação, pela Constituição de 1988.
O primeiro governo Lula foi bom na área econômica, excepcional na área social, desastroso da área monetária. Apesar de muito provavelmente não ousar romper com a estagnação do câmbio, o segundo governo terá mais condições para melhorar. Aparentemente vão ser preservadas as áreas de excelência. O Programa da Bioenergia, se bem estruturado, poderá mexer com vários setores relevantes da economia, como pesquisa e tecnologia, indústria de base, distribuição de renda, estratégia comercial global. Há espaço, agora, para investimento maciço em Saneamento. A infra-estrutura tornou-se prioridade nacional.
É possível perceber movimentos de inúmeros grupos de empresas e de investidores em projetos ligados a infra-estrutura e ao biodiesel e bioenergia. O mercado de capitais está pronto para atrair parte da poupança que será deslocada pela redução dos juros.
Ou seja, há um quadro completo para que o político Lula desperte o que o Delfim chama de “espírito animal” do empresariado para investir e ousar. Desde que consiga colocar o mercado no seu devido lugar. Não há que se ser imprudente, a ponto de esfrangalhar as finanças; nem medroso, a ponto de nada ousar para não descontentar o mercado.
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